Translate

26 março 2014

DPVAT, UM SEGURO EM CONSTANTE DESVALIA

A Lei 6.194, de 17 de dezembro de 1974, dispõe sobre Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não, denominado pelas seguradoras de DPVAT, fixando a indenização em até quarenta salários mínimos. É obrigatório em razão dos riscos inerentes à circulação de veículos e por se destinar à reparação de danos provenientes de acidentes para proprietários e qualquer pessoa lesionada por tais acidentes. Era considerado um seguro social.

A partir da década de 1990 começaram as investidas das seguradoras para mudar as características e a redução do valor da indenização.

primeira delas foi a LEI No 8.441, DE 13 DE JULHO DE 1992 que instituiu um consórcio obrigatório entre as seguradoras para pagamento do seguro a pessoa vitimada por veículo não identificado, com seguradora não identificada, seguro não realizado ou vencido, nos mesmos valores, condições e prazos dos demais casos e determinou ao IML - instituto médico legal da jurisdição do acidente a quantificar as lesões físicas ou psíquicas permanentes para fins de seguro previsto nesta lei, em laudo complementar, no prazo médio de noventa dias do evento, de acordo com os percentuais da tabela das condições gerais de seguro de acidente suplementada, nas restrições e omissões desta, pela tabela de acidentes do trabalho e da classificação internacional das doenças.

Como a lei não foi acompanhada de nenhuma tabela nem outorgou a qualquer órgão o poder para confeccioná-la a justiça sempre recusou as tentativas de imposição de tabelas pelo CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados) considerando suficientes os laudos do IML para quantificação e pagamento das indenizações.

Pois bem. As empresas seguradoras perderam todas as ações judiciais que moveram contra a lei 6.194/74 em todas as instâncias do judiciário, incluído o Supremo Tribunal Federal que julgou constitucional o valor da indenização fixado em quarenta salários mínimos, como forma de preservação do valor do benefício.

Na segunda tentativa, porém, as seguradoras arquitetaram novas estratégias para atingir seu desiderato. Sabedoras de que jamais conseguiriam modificá-la pelo processo legislativo ordinário, valeram-se do expediente das medidas provisórias. Assim, no dia 29/12/2006, uma sexta feira, último dia útil daquele ano, ressaca de natal e véspera de ano novo, Brasília praticamente deserta, eis que o Ministério da Fazenda encaminha mensagem ao Planalto que no mesmo dia expede a Medida Provisória 340, que trata de tabela de imposto de renda e financiamento estudantil, em cujo bojo se introduz o que convencionou denominar de “contrabando jurídico”: na rabada da MP, as primeiras e profundas alterações na lei 6.194/94. Com a força e o peso expressivo dos votos dos parlamentares da base aliada a MP 340 foi facilmente convertida na LEI Nº 11.482, DE 31 DE MAIO DE 2007 , lacerando o coração de uma lei que já perdurava bravamente por 33 anos sem que durante todo esse período nenhuma seguradora tivesse sofrido qualquer abalo econômico. A nova lei finalmente mudou os parâmetros da indenização de 40 salários mínimos para R$ 13.500,00, sem previsão de qualquer reajuste.

Mas o pior ainda estava para vir. Em 15 de dezembro de 2008 surge a Medida Provisória 451 sobre alteração da legislação tributária federal e nela insere-se o que faltava para sepultar de vez os direitos contidos na Lei 6.194/74: uma tabela de indenização por percentuais de órgãos e;ou funções lesionados, a competência do CNSP para fixar os valores dos prêmios tarifários e a imposição ao SUS e hospitais e clínicas a ele conveniados a obrigação de atendimento gratuito aos acidentados sem possibilidade de qualquer reembolso, ou seja, as despesas hospitalares ficam por conta exclusiva do poder público. A MP foi convertida na LEI Nº 11.945, DE 4 DE JUNHO DE 2009.

Na data da publicação da MP a diferença da indenização era pequena; de R$ 14.000,00 passou para R$ 13.500,00. Quando convertida em lei em maio de 2007, o salário mínimo já era de 380,00 e a indenização deveria ser de R$ 15.200,00. Atualmente, o salário mínimo é de R$ 724,00, portanto, a indenização deveria ser de R$ 28.960,00. Entretanto, corresponde a apenas 18,54 salários mínimos. Logo uma expressiva redução de R$ 15.460,00, ou seja, a indenização está reduzida em mais de 50%. No mesmo período – 2006/2014- anualmente foram corrigidos os valores do prêmio, mas a indenização ficou estagnada. No mesmo período houve um incremento extraordinário na frota de veículos o que aumentou ainda mais significativamente a arrecadação por parte das seguradoras.

Para se ter uma ideia sobre tal arrecadação, veja-se a seguinte informação sobre a frota de veículos no Brasil:

O Brasil terminou o ano de 2012 com uma frota total de 76.137.125 veículos automotores. Em 2001 havia aproximadamente 34,9 milhões de veículos. Houve, portanto, um incremento da ordem 28,5 milhões, ocorrendo, assim, um crescimento superior a 138,6% entre esses dois anos. Vale lembrar, que o crescimento populacional no Brasil, entre os dois últimos Censos demográficos (2000 e 2010), foi de 11,8%. O número de automóveis passou de pouco mais de 24,5 milhões, em 2001, para 50,2 milhões, em 2012. Isso significa que a quantidade de automóveis exatamente dobrou, com um crescimento de 104,5%. Em toda a séria histórica, merece destaque o aumento de 3,5 milhões de automóveis em 2012. Assim, a frota brasileira passa de aproximadamente 46,7 milhões para os 50,2 milhões já mencionados em apenas um ano. Neste caso, é importante destacar que, de todo o crescimento ocorrido nos últimos 10 anos (acréscimo de 24,2 milhões de autos), 14,6% ocorreram apenas em 2012. Fonte: http://www.observatoriodasmetropoles.net/download/auto_motos2013.pdf

O valor do seguro:

A Superintendência de Seguros Privados (Susep) elevou em 4,63% o preço do seguro obrigatório (Dpvat) pago pelos donos de carros de passeio, táxis, motos, caminhões e tratores. Os novos preços valerão a partir de 1º de janeiro. Quem deixar de pagar o seguro obrigatório não poderá licenciar o veículo. Para veículos de passeio e táxis, o valor deve ficar em R$ 105,63. Para as motocicletas e similares, R$ 292. Já donos de máquinas de terraplanagem e equipamentos móveis em geral, quando licenciados, camionetas tipo picape de até 1.500 quilos de carga, caminhões e outros veículos pagarão R$ 110,38. Proprietários de ônibus, micro-ônibus e lotações com cobrança de frete continuarão pagando R$ 396,49. Para micro-ônibus (cobrança de frete e lotação não superior a 10 passageiros) e ônibus, micro-ônibus e lotações sem cobrança de frete, o valor será de R$ 247,42.
As indenizações pagas nos casos de morte, invalidez permanente e reembolso de despesas médicas em decorrência de acidentes de trânsito não sofreram alterações: R$ 13,5 mil (morte); até R$ 13,5 mil (invalidez permanente) e até R$ 2.700 (despesas médicas).
O seguro DPVAT (Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Via Terrestre) cobre casos de morte, invalidez permanente ou despesas com assistência médica e suplementares (DAMS) por lesões de menor gravidade causadas por acidentes de trânsito em todo o País.
Fonte: http://www.piauihoje.com/noticias/valor-do-seguro-obrigatorio-dpvat-tem-reajuste-de-463-anuncia-susep-42221.html

Aplicando-se a metade da média dos valores do seguro obrigatório sobre a frota R$ 115,39 x 76.137.125, estima-se uma arrecadação mínima de R$ 8,78 bilhões de reais.
Tanto dinheiro que as seguradoras pediram ao CNSP para não reajustar o valor do seguro obrigatório em 2014 porque a receita aumentou astronomicamente e as despesas reduziram drasticamente. Não havia justificativa para majorar o seguro porque a indenização foi reduzida em mais de 50% e eliminadas as despesas hospitalares. Virou um negócio da China, como se diz.

Mas ainda não se dão por satisfeitas as seguradoras e agora obtiveram no STJ a aplicação retroativa das tabelas para indenizações anteriores â própria lei. Confira-se:

É válida utilização das tabelas do CNSP para cálculo do DPVAT em sinistros anteriores a 2008
Em julgamento de recurso especial, sob o rito dos recursos repetitivos (artigo 543-C do Código de Processo Civil), a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu qual deve ser o critério utilizado para estabelecer a proporcionalidade do grau de invalidez nas indenizações pagas pelo seguro obrigatório a vítimas de acidentes de trânsito (DPVAT), em sinistros ocorridos antes da vigência da Medida Provisória 451/08.
A Turma, por unanimidade, confirmou a validade da utilização da tabela do CNSP para estabelecer a proporcionalidade entre a indenização e o grau de invalidez, na hipótese de sinistros anteriores a 16 de dezembro de 2008. A decisão vai orientar as demais instâncias da Justiça sobre como proceder em casos idênticos, evitando que recursos que sustentem posições contrárias cheguem ao STJ.
No STJ, o relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afirmou que a declaração de invalidade da tabela do CNSP não seria a melhor solução para a controvérsia. Segundo ele, “a ausência de percentuais previamente estabelecidos para os cálculos da indenização causaria grande insegurança jurídica, uma vez que o valor da indenização passaria a depender exclusivamente de um juízo subjetivo do magistrado”.
Sanseverino acrescentou também que a competência normativa do CNSP, atribuída pelo Decreto-Lei 73/66, ainda está em vigor, uma vez que a sua revogação depende da edição de lei complementar reguladora do sistema financeiro nacional, o que ainda não ocorreu. (REsp 1303038).

O que causa espécie é a segurança jurídica do ilustre relator, dando efeito retroativo a uma lei que não o contém, com base num Decreto-Lei que até então jamais havia sido invocado pelas seguradoras. Segurança jurídica no Brasil é uma completa ficção sujeita aos humores e interpretações dos julgadores. Relativização de coisa julgada e efeito retroativo são intransponíveis obstáculos ao alcance de segurança jurídica.

A realidade nua e crua é que o DPVAT se transformou num Seguro Desvalia das Pessoas Vitimadas por Acidentes de Trânsito.


17 março 2014

LEI MARIA DA PENHA NO PROCESSO CIVIL


As medidas de urgência objetivando a proteção da mulher podem ser pleiteadas em processo civil, em sede de cautelar satisfativa, ainda que inexista procedimento penal contra o indicado agressor, conforme decisão da Quarta Turma do STJ, nos termos que seguem:


As medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) podem ser aplicadas em ação cautelar cível satisfativa, independentemente da existência de inquérito policial ou processo criminal contra o suposto agressor.
O primeiro dado a ser considerado para compreensão da exata posição assumida pela Lei Maria da Penha no ordenamento jurídico pátrio é observar que o mencionado diploma veio com o objetivo de ampliar os mecanismos jurídicos e estatais de proteção da mulher. Por outra ótica de análise acerca da incidência dessa lei, mostra-se sintomático o fato de que a Convenção de Belém do Pará – no que foi seguida pela norma doméstica de 2006 – preocupou-se sobremaneira com a especial proteção da mulher submetida a violência, mas não somente pelo viés da punição penal do agressor, mas também pelo ângulo da prevenção por instrumentos de qualquer natureza, civil ou administrativa. Ora, parece claro que o intento de prevenção da violência doméstica contra a mulher pode ser perseguido com medidas judiciais de natureza não criminal, mesmo porque a resposta penal estatal só é desencadeada depois que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas vezes com consequências irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões corporais graves ou gravíssimas. Na verdade, a Lei Maria da Penha, ao definir violência doméstica contra a mulher e suas diversas formas, enumera, exemplificativamente, espécies de danos que nem sempre se acomodam na categoria de bem jurídico tutelável pelo direito penal, como o sofrimento psicológico, o dano moral, a diminuição da autoestima, a manipulação, a vigilância constante, a retenção de objetos pessoais, entre outras formas de violência. Ademais, fica clara a inexistência de exclusividade de aplicação penal da Lei Maria da Penha quando a própria lei busca a incidência de outros diplomas para a realização de seus propósitos, como no art. 22, § 4º, a autorização de aplicação do art. 461, §§ 5º e 6º, do CPC; ou no art. 13, ao afirmar que "ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais [...] aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitem com o estabelecido nesta Lei". Analisada de outra forma a controvérsia, se é certo que a Lei Maria da Penha permite a incidência do art. 461, § 5º, do CPC para a concretização das medidas protetivas nela previstas, não é menos verdade que, como pacificamente reconhecido pela doutrina, o mencionado dispositivo do diploma processual não estabelece rol exauriente de medidas de apoio, o que permite, de forma recíproca e observados os específicos requisitos, a aplicação das medidas previstas na Lei Maria da Penha no âmbito do processo civil. REsp 1.419.421-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/2/2014

Fonte: Informativo STJ 0535