O blog
publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado
Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006,
período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício.
Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados
nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas
revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano
dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova
dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais
são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve
o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em
futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se
consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê
resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
Hoje
a questão versa sobre aquisição de bilhete de passagem aérea
promocional , nos termos abaixo:
RECURSO
INOMINADO Nº 5.815/04
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO
INOMINADO. TRANSPORTE AÉREO. AQUISIÇÃO DE PASSAGEM AÉREA
INTERNACIONAL DE IDA E VOLTA DO TIPO “WALAPINFR” – INFORMAÇÃO
INADEQUADA QUANTO AO PRAZO DE UTILIZAÇÃO DO SEGUNDO VÔO –
RESTITUIÇÃO DO VALOR CORRESPONDENTE. DANO MORAL INEXISTENTE.
1.- A COMPANHIA DE AVIAÇÃO É
CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE AÉREO E COMO
TAL SUA RESPONSABILIDADE É OBJETIVA, NOS TERMOS DO ART.37,§ 6º,
CF, SUBSUMINDO-SE AINDA ÁS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR.
2.- NO CASO DE PASSAGEM AÉREA
PROMOCIONAL DE IDA E VOLTA, SEM A INFORMAÇÃO CLARA E ADEQUADA
QUANTO AO PRAZO DE SUA VALIDADE, INOBSERVANDO O DISPOSTO NO ART.6º
DO CDC, TEM A PASSAGEIRA O DIREITO À RESTITUIÇÃO DO VALOR
CORRESPONDENTE AO SEGUNDO VÔO OU DO TRECHO NÃO UTILIZADO, POR FORÇA
DO ARTIGO 14 DA LEI CONSUMERISTA.
3.-A DISCUSSÃO DE CLÁUSULA
CONTRATUAL, DE REGRA, NÃO GERA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS,
MORMENTE QUANDO NÃO SE DESINCUMBE A AUTORA DE COMPROVAR A OCORRÊNCIA
DE CONSTRANGIMENTOS CAPAZES DE JUSTIFICAR TAL IMPOSIÇÃO.
4.- RECURSO PARCILAMENTE PROVIDO.
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira
Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à
unanimidade, conhecer do recurso para dar-lhe parcial provimento, nos
termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória,
ES, de junho de 2005.
R
E L A T Ó R I O
A
autora, devidamente qualificada e representada por sua ilustrada
patrona, ajuizou Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais
em face de companhia aérea, alegando que adquiriu bilhete de
passagem de ida e volta no aeroporto de Paris com destino ao Brasil
com garantia da vendedora de que a passagem teria validade de um ano,
sendo que a empresa alega que a mesma foi comprada em promoção e
não pode aproveitar o trecho não voado, atribuindo valor à causa
de R$ 4.800,00, aditando a peça inicial a fls. 20/22.
Sumariamente
instruído o feito foi lançada a r.sentença de fls. 60/63 que
julgou procedente o pedido inicial para condenar a requerida no
pagamento do valor de R$ 2.250,00. sendo R$ 1.250,00 a título de
danos materiais e R$ 1.000,00 a título de danos morais.
Inconformada,
a empresa aérea interpôs recurso inominado a fls. 73/82, alegando
que o bilhete é o instrumento do contrato celebrado entre as partes
e nele estavam todas as informações dispostas de forma correta e
que se trata de bilhete promocional com prazo de utilização sob
pena de perda de validade. Aduziu, ainda, inexistência de relação
de causalidade, que vem a ser a relação de causa e efeito entre a
ação ou omissão que se pretende atribuir à recorrente e o dano
moral que a autora diz ter suportado, não havendo assim obrigação
de indenizar e, concluindo, requereu a procedência do recurso com
reforma in totum da decisão a quo, por ser da mais lídima justiça
e a condenação da recorrida nas custas e honorários de advogados.
Contra-razões
a fls. 91/93 no sentido da manutenção do julgado, condenada a
recorrente ao pagamento de custas processuais e honorários
advocatícios.
É
o relatório.
V
O T O
A
recorrente é concessionária de serviço público de transporte
aéreo, sendo objetiva sua obrigação de indenizar, nos termos do
artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, bem como submetidas
suas relações com os clientes pelo Código de Defesa do Consumidor.
Ora,
no caso dos autos, a passageira adquiriu bilhete de passagem de ida e
volta Paris/SãoPaulo/Vitória, alegando que foi informada pelo
balcão da recorrente que teria direito ao retorno ou poderia
utilizar o bilhete de retorno para outra viagem e ao procurar a
recorrente teve negado o direito sob a alegação de que havia
ultrapassado o prazo de sua utilização.
O
bilhete, que como a própria recorrente reconhece, representa o
contrato de transporte aéreo entre as partes, porém, ele não
contém informações claras de que se trata de “passagem
promocional” e muito menos que deveria ser usado no prazo de três
meses. E, pior, ainda, consta a expressão “WALAPINFR”, sem
qualquer esclarecimento, não sendo possível exigir-se de qualquer
pessoa mediana que tenha conhecimento de que seria uma passagem
promocional cujo retorno ou vôo para outro trecho deveria ser
utilizado no prazo de três meses.
Como
bem assentado na sentença hostilizada, o Código de Defesa do
Consumidor estabelece direitos básicos do consumidor, dentre os
quais “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos
e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os
riscos que apresentem”, na literalidade do inciso III, do artigo
6º.
Por
outro lado, o artigo 14 do CDC impinge ao fornecedor a
responsabilidade, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por informações
insuficients ou inadequadas.
É
o que ocorre com relação aos fatos tratados nestes autos,
exsurgindo, de forma cristalina, o direito da recorrida à
restituição do valor pago pela passagem não utilizada, nos termos
em que consignado na r. sentença impugnada. Ademais, a lei não
admite o enriquecimento sem causa, o que ocorreria em prol da
recorrente em caso de não restituição do valor da passagem não
utilizada.
Para
alforriar-se da responsabilidade pelo fato do serviço a empresa
precisa comprovar a incidência das hipóteses descritas no art. 14,
§ 3º, do CDC ou do art. 264 do Código Brasileiro de Aeronáutica,
o que não se verificou nos autos.
Em
situação semelhante, o Colegiado Recursal Brasiliense adotou o
seguinte posicionamento:
Classe
do Processo : APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL 20030111137382ACJ
DF
Registro
do Acordão Número : 196662
Data
de Julgamento : 04/08/2004
Órgão
Julgador : Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e
Criminais do D.F.
Relator
: JOÃO BATISTA TEIXEIRA
Publicação
no DJU: 13/08/2004 Pág. : 158
(até 31/12/1993 na Seção 2, a
partir de 01/01/1994 na Seção 3)
Ementa
CIVIL
- CDC - COMPRA DE PASSAGEM AÉREA INTERNACIONAL COM DATA DE VOLTA
MARCADA - INFORMAÇÃO ADEQUADA E CLARA - CANCELAMENTO DA VOLTA -
PEDIDO DE REEMBOLSO NEGADO - ALEGAÇÃO IMPEDITIVA DA RESTITUIÇÃO
NÃO PROVADA - DIREITO RECONHECIDO - ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA - JUROS
E CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. É DIREITO BÁSICO DO CONSUMIDOR SER
INFORMADO DE FORMA ADEQUADA E CLARA QUANDO ADQUIRE PASSAGEM AÉREA
INTERNACIONAL, POR MEIO DE BILHETE ESPECIAL PROMOCIONAL, COM DATA
MARCADA PARA A VOLTA, INCLUSIVE DOS RISCOS QUE APRESENTA A AQUISIÇÃO,
EM CASO DE PEDIDO DE REEMBOLSO DE TRECHO NÃO UTILIZADO. 2. É ÔNUS
DA FORNECEDORA COMPROVAR QUE DEU CUMPRIMENTO AO INCISO III DO ARTIGO
6º DO CDC PRESTANDO INFORMAÇÕES ADEQUADAS E CLARAS ACERCA DA
PASSAGEM AÉREA INTERNACIONAL VENDIDA, E OS RISCOS QUE APRESENTA O
BILHETE ESPECIAL PROMOCIONAL NEGOCIADO, ESPECIALMENTE QUANTO AO
REEMBOLSO. ASSIM NÃO PROCEDENDO, RESTA A OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR O
VALOR DO TRECHO RECEBIDO E NÃO UTILIZADO PELO CONSUMIDOR. 3. NÃO
PROVANDO A FORNECEDORA O MOTIVO ALEGADO PARA NEGAR A REEMBOLSO
POSTULADO PELO FORNECEDOR, E NÃO TENDO ESTE VOLUNTARIAMENTE DADO
CAUSA A NÃO UTILIZAÇÃO DO TRECHO, É IMPERIOSA A RESTITUIÇÃO DO
VALOR DO TRECHO PAGO E NÃO UTILIZADO, PENA DE ENRIQUECIMENTO SEM
CAUSA DA FORNECEDORA DOS SERVIÇOS AÉREOS CONTRATADOS. 4. OS JUROS
DE MORA FLUEM DESDE A DATA DA CITAÇÃO PARA A AÇÃO, CONFORME
ESTABELECE O ARTIGO 405 DO CÓDIGO CIVIL, A SÚMULA 163 DO STF, E
ARTIGO 219 DO CPC, QUE ESTABELECE QUE A CITAÇÃO VÁLIDA CONSTITUI
EM MORA O DEVEDOR. 5. A CORREÇÃO MONETÁRIA HÁ DE INCIDIR A CONTAR
DA DATA DO EFETIVO DESEMBOLSO.
Nesse
ponto, portanto, tenho por absolutamente correta a decisão
objurgada.
Com
relação ao dano moral, entretanto, creio que o recurso merece
provimento, vez que não vislumbro, no caso, qualquer situação
constrangedora que tivesse atingido quaisquer dos direitos de
personalidade da recorrida, não tendo a mesma feito qualquer prova
nesse sentido.
Aliás,
a própria sentença assevera que a recorrida não comprovou ter sido
obrigada pela recorrente a permanecer por mais de trinta horas no
aeroporto. Entretanto, reconheceu a ocorrência de dano moral “em
virtude da mesma não conseguir utilizar o trecho do bilhete, ficando
frustrada uma viagem, tendo que recorrer ao Poder Judiciárioi para
conseguir o reembolso”.
Com
a devida vênia do ilustrado prolator da sentença guerreada, o fato
de alguém ter de socorrer-se do Poder Judiciário para pleitear seu
direito não é causa por si só de ocasionar-lhe constrangimento
capaz de amparar pedido de dano moral. Muito menos que tenha o Poder
Judiciário a obrigação de expedir condenação apenas para evitar
reincidência ou desestímulo a determinadas práticas comerciais que
não constituem ilícitos em si mesmas.
A
discussão de cláusulas contratuais, de regra, não gera dever de
indenizar por dano moral, porquanto a dúvida ou interpretação
ainda que equivocada delas decorrentes não constitui qualquer tipo
de ilícito.
Firme
nessas considerações, dou provimento parcial ao recurso impetrado
pela recorrente para excluir a condenação por danos morais,
mantendo, no mais, a sentença hostilizada com relação à
restituição do valor correspondente ao trecho da passagem não
utilizado.
Sem ônus
sucumbenciais, vez que incabíveis a recorrido-vencido, nos termos do
artigo 55 LJE.
É
como voto.