O blog
publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos
Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra
de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da
integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa
apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos
Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário
brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências.
Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que
faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns,
onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê
resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
Hoje a questão abordada é a devolução de depósito de correntista não quotista de cooperativa de crédito mútuo em face de sua autodissolução, nos
termos abaixo:
RECURSO
INOMINADO Nº6.743/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO.
COOPERATIVA DE CRÉDITO EM LIQUIDAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES
DEPOSITADOS EM CONTA DE CORRENTISTA. PROCEDÊNCIA.
1.-PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA
ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL REJEITADA, POIS DESNECESSÁRIA QUALQUER
PROVA PERICIAL CONTÁBIL PARA APURAR OS HAVERES DA
CORRENTISTA-RECORRIDA.
2.-PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA
PELA NÃO SUSPENSÃO DO PROCESSO TAMBÉM REJEITADA, EIS QUE
AUTO-DISSOLUÇÃO DE COOPERATIVA DE CRÉDITO NÃO SE ENQUADRA NAS
DISPOSIÇÕES DO ART.18 DA LEI Nº 6.024/74.
3.- É DIREITO DA CORRENTISTA A
RESTITUIÇÃO DE VALORES CONSTANTES DE SUA CONTA FINANCEIRA QUE NÃO
SE CONFUNDE COM AS QUOTAS DE CAPITAL DE COOPERADO DE QUE CUIDA A LEI
5.764/71.
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira
Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de
Vitória, à unanimidade, rejeitar as preliminares argüidas e, no
mérito, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator
que deste passa a fazer parte integrante.Vitória,
ES, de agosto de 2005.
R
E L A T Ó R I O
A
autora compareceu pessoalmente perante o Juizado Especial alegando
ser correntista da Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo, onde
fazia aplicação financeira até que a mesma foi descredenciada pelo
BACEN (Banco Central do Brasil), quando requereu a restituição da
importância de R$ 1.440,00 que se encontra retida nos cofres da
requerida.
Através
da r. sentença de fls. 83/84 o pedido foi julgado procedente, com a
condenação da Cooperativa a restituir a importância de R$
1.440,00, com correção monetária a partir do ajuizamento da ação
e juros legais a contar da citação.
Inconformada,
a Cooperativa interpôs recurso inominado a fls. 86/101, argüindo,
em sede de preliminares, a incompetência absoluta do juizado e a
nulidade da sentença, com a suspensão do processo e, no mérito,
propugnou pela reforma da sentença, julgando-se improcedente o
pedido formulado pela autora.
Contra-razões
a fls. 115/119, rebatendo as preliminares e, no mérito, postulando a
mantença in totum da sentença de piso, acrescida de honorários
advocatícios.
É
o relatório.
V
O T O
Verificando
que foram atendidos os pressupostos legais, sobremodo diante da
certidão de fls.109, conheço do recurso.
PRFELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL
PRFELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL
A
recorrente alega incompetência absoluta do Juizado Especial por
necessidade de prova pericial contábil.
Ora,
o que a autora pleiteou em juízo foi o ressarcimento de valores
depositados por ela em sua conta junto à requerida. Não se trata,
pois, de resgate de quotas de capital social, mas de depósitos em
dinheiro feito em sua conta corrente.
Desnecessária,
pois, qualquer prova pericial contábil para apuração desses
valores, bastando o comprovante de recibo de depósito a prazo de
fls. 06 e os extratos de movimentação financeira da referida
conta-corrente por ela anexados aos autos.
Ademais,
não há nos autos qualquer discussão sobre a veracidade ou
quantificação do valor indicado pela recorrida.
Assim
sendo, rejeito a presente preliminar.
PRELIMINAR
DE NULIDADE DA SENTENÇA
Aduz
a recorrente que a sentença é nula, vez que o processo deveria ter
sido suspenso, tendo em vista que o Banco Central do Brasil, em
16.01.2003, aprovou seu ingresso no regime de Liquidação Ordinária.
Desse modo, houve violação dos artigos 18 da Lei 6.024/74 e art. 76
da Lei 5.764/71.
Segundo
palavras da recorrente (fls.54) “sendo a Lei 6.024/74 o instrumento
normativo que regula a presente situação”, o processo deveria ter
sido suspenso com base nos artigos 1º e 18. (fls.92).
Lei
6.024/74:
Art
. 1º As instituições financeiras privadas e as públicas não
federais, assim como as cooperativas de crédito, estão sujeitas,
nos termos desta Lei, à intervenção ou à liquidação
extrajudicial, em ambos os casos efetuada e decretada pelo Banco
Central do Brasil, sem prejuízo do disposto nos artigos 137 e 138 do
Decreto-lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940, ou à falência,
nos termos da legislação vigente.
...
Art . 18. A
decretação da liquidação extrajudicial produzirá, de imediato,
os seguintes efeitos:
a)
suspensão das ações e execuções iniciadas sobre direitos e
interesses relativos ao acervo da entidade liquidanda, não podendo
ser intentadas quaisquer outras, enquanto durar a liquidação;
b)
vencimento antecipado das obrigações da liquidanda;
c)
não atendimento das cláusulas penais dos contratos unilaterais
vencidos em virtude da decretação da liquidação extrajudicial;
d)
não fluência de juros, mesmo que estipulados, contra a massa,
enquanto não integralmente pago o passivo;
e)
interrupção da prescrição relativa a obrigações de
responsabilidade da instituição;
f)
não reclamação de correção monetária de quaisquer divisas
passivas, nem de penas pecuniárias por infração de leis penais ou
administrativas.
Percebe-se
assim que não se aplica ao caso concreto a suspensão do processo
porque não houve intervenção ou liquidação extrajudicial pelo
Banco Central do Brasil, mas sim auto-dissolução da cooperativa,
que é coisa diversa.
A
liquidação ordinária ou auto-dissolução não se inclui, nem por
analogia ou semelhança, como pretende a recorrente, aos casos
específicos previstos na legislação supra referida.
Nesse
diapasão, rejeito também esta preliminar.
M
É R I T O
A
sentença considerou a recorrida como simples correntista junto à
cooperativa-recorrente.
Com
efeito, não há qualquer elemento de prova nos autos que confirme ou
negue tal afirmação.
Contudo,
presume-se verossímel a asserção autoral, vez que não cuidou a
recorrente de demonstrar o contrário, ônus processual que lhe
incumbia, segundo os ditames do artigo 333,II, do CPC.
Nesse
passo, creio que os valores reconhecidos na sentença a título de
restituição devem ser confirmados.
Ademais,
trata-se de uma cooperativa ampla – colaboradores da CST e empresas
de siderurgia – envolvida num verdadeiro escândalo financeiro que
atingiu milhares de pessoas.
O
fato é de domínio público – várias cooperativas deste Estado,
por gestões temerárias, quiçá fraudulentas - entraram em regime
de liquidação ou intervenção ou de verdadeira quebra – causando
prejuízos a milhares de pessoas. A maioria delas sócios-quotistas,
portanto, vítimas da hecatombe financeira que atingiu diversas
cooperativas.
Registro,
por final, que em situação semelhante esta Turma Recursal no RI
Nº5.283/04 decidiu no sentido do cabimento do pedido de restituição
dos valores retidos dos correntistas da cooperativa-recorrente.
Por
essas razões, nego provimento ao recurso para manter a a r.sentença
impugnada.
A
recorrente deve arcar com o pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios que arbitro em 15% (quinze por cento) sobre
o valor da condenação, nos termos do artigo 55 da LJE.
É
como voto.