O blog publica às
sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos
Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que
tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há
compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a
identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns
temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados
Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao
judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são
ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que
era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em
futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se
consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê
resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
Hoje
a questão versa sobre a agravamento do sinistro, nos termos abaixo:
RECURSO
INOMINADO Nº 6.268/05
ACÓRDÃO
EMENTA:
RECURSO INOMINADO. CONTRATO DE SEGURO DE AUTOMÓVEL. SINISTRO.
OBRIGAÇÃO DA SEGURADORA DE INDENIZAR OS PREJUÍZOS.
1.-PRELIMINAR
DE INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL EM RAZÃO DA NECESSIDADE
DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL ESPECIALIZADA EM MECÂNICA E
LANTERNAGEM REJEITADA, FACE SUA DESNECESSIDADE PARA O DESLINDE DA
CONTROVÉRSIA.
2.-O
AGRAVAMENTO DE SINISTRO, PREVISTO NO ART. 768 DO CÓDICO CIVIL/2002,
DEPENDE DE PROVA DE QUE TENHA O SEGURADO AGIDO INTENCIONALMENTE E
INTENÇÃO NÃO SE PROVA POR PERÍCIA MECÂNCIA.
3.-
CUIDANDO O RECURSO UNICAMENTE DA REJEITADA PRELIMINAR, FICA MANTIDA
INTEGRALMENTE A SENTENÇA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
4.-
RECURSO IMPROVIDO.
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira
Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à
unanimidade, conhecer do recurso para rejeitar a preliminar de
incompetência do juizado especial por necessidade de prova pericial
e, inexistindo contrariedade ao mérito, manter a sentença
impugnada, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer
parte integrante.
Vitória,
ES, de maio de 2005.
RELATÓRIO
O
autor compareceu pessoalmente perante o Juizado Especial alegando que
contratou com a seguradora o seguro de seu automóvel e, tendo se
envolvido em acidente de trânsito, a seguradora negou a cobertura do
sinistro, requerendo então o pagamento das despesas relativas ao
conserto.
A
r. sentença de fls. 27/33, julgou procedente o pedido autoral
condenando a requerida ao pagamento da importância de R$ 1.270,00,
devidamente corrigida.
Inconformada,
a seguradora interpôs recurso inominado a fls. 34/39, requereu seja
reformada a sentença recorrida para acolher a preliminar de
incompetência desse Juizado em razão da complexidade da matéria,
sendo o feito extinto sem julgamento de mérito, pela inadequação
da via judicial eleita pelo recorrido ou, em outras palavras, por ser
ela inútil ao fim a que se destina (CPC, art. 267, VI), bem como que
seja o recorrido condenado ao pagamento de custas e taxas judiciais,
inclusive a título de reembolso, e ainda os honorários de advogados
de 20% do valor do pedido.
Em
contra-razões de fls.45/51, o recorrido requereu seja negado
provimento ao recurso, em consonância com o “parecer” da ilustre
magistrada, mantendo a sentença por seus próprios fundamentos.
É
a síntese dos autos.
VOTO:
Não
se pode deixar de registrar que as partes travam nos autos um
verdadeiro diálogo de surdos: as razões recursais cuidam apenas de
atacar suposta incompetência do Juizado Especial, enquanto que as
contra-razões limitam-se a transcrever parte da sentença impugnada,
pleiteando a sua manutenção “em consonância com o “parecer”
da ilustre magistrada”. Esse contra-arrazoado, subscrito por
advogada de OAB antiga, demonstra, lamentavelmente, que até hoje
ainda não atentou a ilustrada causídica para as disposições do
artigo 162 do Código de Processo Civil, onde estão explicitados quais são os provimentos judiciais.
Passo
à análise do recurso.
Insiste
a recorrente, apostando todas as fichas em sua preliminar de
incompetência do Juizado Especial Cível, ante a suposta necessidade
de prova pericial para demonstrar que as avarias sofridas pelo
veículo do segurado-recorrido não tiveram origem no acidente ou
foram agravadas por sua conduta.
De
primeiro é preciso assentar que não é infenso o Juizado Especial
ao quesito probatório e nem poderia sê-lo, porquanto todas as
proposições postas em juízo são submetidas, no devido processo
legal, ao contraditório e, como tal, todos os meios legais, como os
moralmente legítimos são hábeis para provar a verdade dos fatos em
que se funda a ação ou defesa, nos termos do artigo 332 do Código
de Processo Civil, aplicado subsidiariamente a todo e qualquer tipo
ou natureza de processo ou procedimento.
A
própria LJE estabelece em seu artigo 32 que: “Todos os meios de
prova moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são
hábeis para provar a veracidade dos fatos alegados pelas partes.”
Ora,
a recorrente não produziu qualquer prova, nem juntou documento
algum, não arrolou testemunhas, pretendendo apenas e unicamente
realizar prova pericial para comprovação de sua tese de
“agravamento do dano”.
Essa
questão foi suficientemente enfrentada na sentença impugnada nesses
termos:
“Ademais,
a simples alegação da necessidade de produção de prova pericial
para dirimir o conflito em apreço, por si só, não tem o condão de
declarar a falta de competência desse Juízo, vez que colacionado
todo o material probatório, com as especificações necessárias e
hábeis ao convencimento, figura como perfeitamente possível o
julgamento do presente feito.”
De
outro lado, afigura-se absolutamente desnecessária a perícia
postulada porquanto o segurado afirmou categoricamente em seu
depoimento pessoal (fls.14), sem qualquer contrariedade, “que o
veículo foi rebocado através de uma corda que foi amarrada a outro
veículo, com o motor parado até a oficina credenciada da requerida
localizada a aproximadamente 100 metros do local do fato.”
Portanto,
até pelo princípio da inversão do ônus da prova, caberia à
recorrente comprovar o contrário. E para isso não precisaria de
qualquer perícia.
Vale
registrar ainda que não basta o segurador negar a contraprestação
contratual sob mera alegação de agravamento do risco, mas deve
provar que tal gravame tenha decorrido de INTENÇÃO do segurado,
como se verifica do artigo 768 do Código Civil/2002, “verbis”:
Art.
768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar
intencionalmente o risco objeto do contrato. (Grifei e
sublinhei).
Não
me parece que tal intenção possa ser provada através de perícia
mecânica de alta complexidade.
Em
situação que se encaixa como uma luva ao caso examinado nos autos,
assim decidiu o Colegiado Recursal Brasiliense:
Classe
do Processo : APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL 20030110605018ACJ
DF
Registro
do Acordão Número : 196009
Data
de Julgamento : 30/06/2004
Órgão
Julgador : Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e
Criminais do D.F.
Relator
: ALFEU MACHADO
Publicação
no DJU: 09/08/2004 Pág. : 60
(até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)
(até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)
Ementa
CIVIL
- CONTRATO DE SEGURO - AUTOMÓVEL - SINISTRO - RESSARCIMENTO DO VALOR
DESPENDIDO PARA CONSERTO DO VEÍCULO - AUTORIZAÇÃO DA SEGURADORA
AINDA QUE TARDIA - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. UNÂNIME.
I
- RESTANDO INDUVIDOSA A AUTORIZAÇÃO PARA CONSERTO DO VEÍCULO
SINISTRADO, CONSOANTE CONJUNTO PROBATÓRIO COLIGIDO AOS AUTOS,
FORÇOSO É A CONDENAÇÃO DA SEGURADORA A RESTITUIR AO SEGURADO OS
VALORES DESPENDIDOS PARA O MISTER (INTELIGÊNCIA DO ART. 776, DO NOVO
CCB), SOB PENA DE CONFIGURAR, INCLUSIVE, ENRIQUECIMENTO ILÍCITO,
VEDADO PELO DIREITO.
II
- O RISCO É ELEMENTO ESSENCIAL DO CONTRATO DE SEGURO, RAZÃO PELA
QUAL NÃO PODE A SEGURADORA PRETENDER DELE ALFORRIAR-SE E, POR
CONSEGUINTE, DA OBRIGAÇÃO ASSUMIDA NO CONTRATO DE SEGURO ENTABULADO
COM A RECORRIDA, SEM QUALQUER RESPALDO LEGAL E JURÍDICO. III -
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
Com essas
considerações, rejeito a preliminar argüida e, inexistindo
contrariedade quanto ao mérito, fica mantida integralmente a
r.sentença impugnada, condenada a recorrente ainda no pagamento das
custas processuais e verba honorária que fixo em 10% sobre o valor
da condenação, nos termos do artigo 55 da LJE.
É
como voto.