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26 abril 2013

PLANO DE SAÚDE NÃO PODE REAJUSTAR MENSALIDADE DE IDOSO POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA




O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre rejuste de plano de saúde de idoso e a abusividade de sua aplicação por mudança de faixa etária, nos termos abaixo:
RECURSO INOMINADO Nº 6.249/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. PLANO DE SAÚDE. DUPLA MAJORAÇÃO DE MENSALIDADE, POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA E REAJUSTE ANUAL, SUPERANDO 120%. IMPOSSIBILIDADE. ABUSIVIDADE FLAGRANTE. 
1.-USUÁRIA DE PLANO DE SAÚDE HÁ MAIS DE NOVE ANOS E RIGOROSAMENTE EM DIA COM AS PRESTAÇÕES DE SUAS MENSALIDADES, CONTANDO 61 ANOS DE IDADE.
2.- O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR APLICA-SE AOS CONTRATOS DE ADESÃO E ALEATÓRIOS, COMO OS PLANOS DE SAÚDE, MORMENTE QUANDO ASSINADOS NA SUA VIGÊNCIA, INTERPRETANDO-SE SUAS CLÁUSULAS EM PROL DO ADERENTE, PERMITIDA A REVISÃO CONTRATUAL PARA EXCLUSÃO DE CLÁUSULAS ABUSIVAS OU DE EXCESSIVA ONEROSIDADE.
3.- A MAJORAÇÃO EM MAIS DE 99% POR FAIXA DE IDADE ACRESCIDA DE 12,74% A TÍTULO DE REAJUSTE ANUAL REFLETE INDISCUTÍVEL ABUSIVIDADE E EXCESSIVA ONEROSIDADE AO CONSUMIDOR, MORMENTE AO CONSUMIDOR-IDOSO.
4.-EXCLUSÃO DO PERCENTUAL REFERENTE A MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA POR PROIBIÇÃO LEGAL – ARTGO 15, § 3º DA LEI Nº 10.741/2003-ESTATUTO DO IDOSO.
5.- RECURSO IMPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, ES, à unanimidade, conhecer do recurso, mas negar provimento, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES, de julho de 2005.

RELATÓRIO

A autora compareceu pessoalmente perante o Juizado Especial alegando que possui o plano de saúde desde 03/03/1995 pagando as despesas do plano desde então no valor de R$ 232,69 e nunca atrasou. No mês de maio de 2004 a mensalidade veio com um aumento abusivo, vez que não recebeu nenhum aviso prévio de que a mensalidade aumentaria e o contrato não estipula o aumento no índice realizado. Alega que é pessoa idosa e depende do plano, sendo um absurdo pagar agora R$ 460,13. Requereu a restituição do valor pago a mais e que sejam adequadas as demais mensalidades às suas condições financeiras.
Após regular instrução, sobreveio a r.sentença de fls. 114/115, que julgou procedente em parte o pedido para que se proceda a revisão da cláusula XI do contrato, estabelecendo-se como percentual de reajuste de mudança de faixa etária a taxa de 50%, que deverá incidir sobre o valor da mensalidade cobrada até o dia anterior à mudança de faixa etária, determinando sejam compensados os valores pagos a mais até que possa ser liquidado o crédito acumulado, indeferindo a restituição integral do valor.
Inconformada, a operadora interpôs recurso inominado em fls. 117/122, alegando que o reajuste aplicado encontrava-se previsto no contrato, que o percentual aplicado estava de acordo com os índice autorizado pela SUSEP e pela Agência Nacional de Saúde Suplementar e que o percentual aplicado pelo magistrado não tem qualquer parâmetro que o justifique porque não observa nenhum critério, requerendo seja a sentença rebatida reformada para declarar legítimo o percentual de reajuste aplicado no plano da autora e ainda a condenação da recorrida ao pagamento das custas sucumbenciais previstas em lei, sendo os honorários fixados em 20% do valor da causa.
Contra-razões a fls. 134/141, requerendo seja negado provimento ao recurso.
É o relatório.

 V O T O

PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL

Alega a operadora que tanto a aplicação do percentual por ela pretendido quanto aquele determinado na sentença, multiplicado pelas prestações extrapola o teto previsto para o juizado especial, dado que o contrato é por prazo indeterminado.

No juízo monocrático a questão foi bem apreciada, quer na audiência de instrução, onde consignou tratar-se de relação de consumo, quer na sentença, onde acrescentou que a autora busca provimento mandamental, não se cuidando de condenação e, portanto, não podendo ser calculado o valor da causa na exdrúxula interpretação dada pela recorrente de multiplicar indefinidamente qualquer percentual sobre as prestações.

Vale registrar que o contrato é de adesão e de trato sucessivo, mas é reajustado anualmente, não cabendo a absurda alegação de que se deve multiplicar o percentual indefinidamente.
O contrato não tem valor determinado, não cabendo cogitar-se de impossibilidade de sua apreciação no juizado especial pelo valor da causa que, aliás, tendo sido atribuído na peça inicial o valor de uma prestação, a recorrente dele não discordou e muito menos impugnou.
Assim sendo, rejeito a preliminar.
M É R I T O

A recorrida, na qualidade de usuária há mais de nove anos do plano de saúde da recorrente e rigorosamente em dia com o pagamento de suas mensalidades, diz-se surpreendida com o exagerado percentual de reajuste a partir de maio/2005 de quase 100%, a título de mudança de faixa etária, sobre o qual ainda foi acrescido o percentual de 12,74%, a título de reajuste anual.

A operadora alega que tais reajustes foram elaborados com base na legislação, ou seja, artigo 35-E, inciso I, da Lei 9.656/98, com a alteração inserida pela MP nº 2177-44, de 24/08/2001.

Alega, ainda, que os reajustes foram aprovados pela SUSEP – Superintendência de Seguros Privados e pela ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Trata-se, no caso, de relação de consumo, que se submete às regras do Código de Defesa do Consumidor, onde as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, nos expressos termos do artigo 47 da lei consumerista.
Tal codificação é de ordem pública, de modo que o juiz deve apreciar até mesmo de ofício qualquer questão relativa às relações de consumo, não incidindo o princípio dispositivo. Não se pode cogitar de preclusão e as questões surgidas no embate judicial podem ser decididas e revisadas a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição.

Alega a recorrida abusividade na aplicação do reajuste.

No ponto, ministra o Professor NELSON NERY JÚNIOR;

Constitui direito básico do consumidor a “modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (art. 5º, V, do CDC). Este princípio modifica inteiramente o sistema contratual do direito privado tradicional, mitigando o dogma da intangibilidade do conteúdo do contrato, consubstanciado no antigo brocardo pact sunt servanda.”
(A Defesa do Consumidor no Brasil, Revista de Direito Privado nº, 18, p.259).

Mais adiante, acrescenta:

O juiz, reconhecendo que houve cláusula estabelecendo prestação desproporcional ao consumidor ou que houve fatos supervenientes que tornaram as prestações excessivamente onerosas para o consumidor, deverá solicitar das partes a composição no sentido de modificar a cláusula ou rever efetivamente o contrato. Caso não haja acordo, na sentença deverá o magistrado, atendendo aos princípios da boa-fé, da equidade e do equilíbrio que devem presidir as relações de consumo, estipular a nova cláusula ou as novas bases do contrato revisto judicialmente. Emitirá sentença determinativa, de conteúdo constitutivo-integrativo e mandamental, vale dizer, exercendo verdadeira atividade criadora, completando ou mudando alguns elementos da relação jurídica de consumo já constituída.” (Op.cit.p.260).

Ora, no caso dos autos salta aos olhos a forma abusiva como a recorrente agiu em face da recorrida. Primeiro, reajustou em 99,74% a título de mudança de faixa etária. E em seguida, aplicou novo reajuste de 12,74%, a título de reajuste anual, o que corresponde ao absurdo índice de mais de 120% (CENTO E VINTE POR CENTO).

De outro lado, a fixação do percentual de 50% para reajuste da mensalidade da recorrida arbitrado na sentença também não encontra qualquer amparo legal, vez que o juiz não detém o arbítrio de fixar percentual, devendo, quando necessário, agir em conformidade com a legislação e fundamentando devidamente a decisão, sob pena de nulidade do decisum, nos termos do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.

A jurisprudência reconhece em situação como a dos autos, evidente abusividade, como demonstra o seguinte julgado:

Recurso-2004.0001727-3 - Recurso Inominado
Ação Originária-2003.70702
Comarca de Origem-Curitiba - 7º JEC
Juiz Relator-JUCIMAR NOVOCHADLO
Livro-50, folha 211-215
Data do Julgamento-24/08/2004
EMENTA : PLANO DE SAÚDE. AUMENTO DA MENSALIDADE. MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE NÃO ESCLARECE OS CRITÉRIOS E ÍNDICES DE REAJUSTE. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAR, DA BOA-FÉ. VEDAÇÃO DE ALTERAÇÃO UNILATERAL DO PREÇO. AUTORIZAÇÃO DA SUSEP. 1. Não se divisando do contrato cláusula expressa da qual se possa aferir, de forma clara e ostensiva, os critérios e índices de reajuste de mensalidade em caso de deslocamento de faixa etária, permitindo ao usuário que tivesse conhecimento do gravame que teria de suportar, quando atingisse as idades limítrofes, não há como acolher o aumento unilateral em quase 100% da contraprestação pecuniária, ante a flagrante onerosidade excessiva e violação dos princípios da informação e da boa-fé objetiva. 2. A autorização da SUSEP não tem o condão de tornar lícito o percentual de reajuste cobrado ou afastar a aplicação das disposições e princípios do Código de Defesa do Consumidor. Recurso provido. Decisão: ACORDAM os Juízes da Turma Recursal Única dos Juizados Especial Cível e Criminal do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso.

Constatada a abusividade do reajuste, verifica-se, ainda, que a recorrida é pessoa idosa, assim considerada pela Lei nº 10.741, DE 01/10/2003, que dispôs sobre o Estatuto do Idoso, que entrou em vigor em 01/01/2004, o qual proíbe qualquer discriminação em função da idade.

A esse propósito o Professor RIZZATTO NUNES, em artigo publicado na internet (saraivajur/doutrina), com o título “Consumidor-idoso em face do Estatuto do Idoso”, assinala que:

Os artigos 15 a 19 estabelecem algumas regras de proteção à saúde do idoso. Não há novidade que demande comentário, à exceção daquela estabelecida no § 3º do art. 15. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 35-E da lei 9.656/98 (a que regula o setor de planos privados de assistência à saúde). No inciso I desse artigo estava estabelecido que qualquer aumento de prestação a ser cobrado dos usuários dos planos de saúde com mais de sessenta anos deveria ter prévia autorização da ANS (Agência Nacional de Saúde), ouvido o Ministério da Fazenda. Com o estabelecimento da regra do § 3º citado fica simplesmente proibido o aumento da contraprestação pecuniária dos usuários-idosos dos planos privados de assistência à saúde.” (Grifei).

Também eu, em “Estatuto do Idoso e Legislação Referenciada”, edição limitada da Escola da Magistratura do Espírito Santo, 2004, p.24/25, assentei:
O Estatuto determina ao Poder Público, através de seus órgãos de saúde e da iniciativa privada conveniados o atendimento prioritário e especializado, ao idoso, inclusive domiciliar, e o fornecimento gratuito de medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. E corrige uma grave injustiça que se cometia contra os idosos, que praticamente eram excluídos dos planos de saúde em razão dos elevadíssimos valores das mensalidades e que eram majoradas a cada mudança de faixa etária.
 
Com a entrada em vigor deste Estatuto os Planos de Saúde não mais poderão cobrar valores diferenciados para os usuários na faixa etária acima dos 60(sessenta) anos, os quais passam a ter melhores condições de se filiar e de se manter segurados pelos referidos planos. Realmente alguma coisa precisava ser feita para propiciar aos idosos tanto o ingresso quanto a permanência nos planos e seguros de saúde.
Esta medida é, pois, absolutamente necessária, mormente para a maioria dos idosos aposentados, cujos proventos são de regra inferiores ao que recebiam na ativa e ainda diante da obrigação legal de pagar imposto de renda e até contribuir para a previdência mesmo depois de aposentados.”
 
Preceitua o artigo 15, § 3º do Estatuto do Idoso:

“Art. 15 - ...
 
§ 3º- É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade.”

Impõe-se, portanto, no caso dos autos, excluir o percentual decorrente do reajuste por mudança de faixa etária, cabendo, apenas, o reajuste anual no percentual de 12,74%, devendo ser compensado o crédito resultante da quantia paga a maior nas prestações sucessivas até a liquidação da diferença entre o que a recorrida pagou a maior a partir dos reajustes equivocadamente lançados.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso, condenando a recorrente no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios de R$ 300,00 (trezentos reais), nos termos do artigo 55 da LJE c/c artigo 20 § 4º, do Código de Processo Civil.
 
É como voto.

ADENDO:
O superior Tribunal de Justiça continua mantendo o mesmo entendimento conforme demonstra o recentíssimo aresto abaixo:

AgRg no REsp 1336758 / RS
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2012/0163258-3
Relator(a) Ministro SIDNEI BENETI (1137)
Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento 20/11/2012
Data da Publicação/Fonte DJe 04/12/2012
Ementa
AGRAVO REGIMENTAL. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE DE MENSALIDADE EM RAZÃO DE MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. BENEFICIÁRIO. LEGITIMIDADE ATIVA. CLÁUSULA CONSIDERADA ABUSIVA.
1.- Consoante dispõe o artigo 535 do CPC, destinam-se os Embargos de Declaração a expungir do julgado eventuais omissão, obscuridade ou contradição, não se caracterizando via própria ao rejulgamento da causa.
2.- Ainda que o plano de saúde seja contratado por intermédio de terceiro, que é o estipulante, o beneficiário é o destinatário final do serviço, sendo portanto, parte legítima para figurar no polo ativo de ação que busque discutir a validade das cláusulas do contrato.
3.- Desse modo, considerando que na estipulação em favor de terceiro, tanto o estipulante quanto o beneficiário podem exigir do devedor o cumprimento da obrigação (CC, art. 436, parágrafo único), não há que se falar, no caso, na necessidade de suspensão do presente feito até o julgamento final da ação proposta pela estipulante em nome de todos os contratados.
4.- A jurisprudência deste Tribunal consagrou o entendimento de ser abusiva a cláusula contratual que prevê o reajuste da mensalidade de plano de saúde com base exclusivamente em mudança de faixa etária, mormente se for consumidor que atingir a idade de 60 anos, o que o qualifica como idoso, sendo vedada, portanto, a sua discriminação.
5.- Agravo Regimental improvido.
 

15 abril 2013

GESTÃO DE AÇÕES DE MASSA



João Ricardo dos Santos Costa
Juiz de Direito do TJRS

 
Criação de um órgão de monitoramento e diagnóstico no Poder Judiciário para identificação de macrolides e uma atuação preventiva às denominadas ações de massa, decorrentes de violações que capturam  vultosos recursos financeiros da sociedade, causando severo abalo ao desenvolvimento econômico.
 
1.  Ementa
As ações repetitivas têm sido um dos principais fatores de congestionamento processual. O Poder Judiciário ainda não possui instrumentos preventivos para atender a demanda decorrente de violações de direitos que atingem uma coletividade. Nos casos de violações de individuais-homogêneos, o litígio, geralmente envolvendo uma forma de exploração econômica, acaba sendo institucionalizado e a resposta jurisdicional fica muito limitada aos que ingressam individualmente. Um alto percentual de vítimas não é atendido e as poucas que acessam o sistema judicial contribuem com o congestionamento processual.

A criação nos tribunais de um organismo direcionado ao monitoramento dessa demanda, poderia contribuir substancialmente para estimular de forma preventiva o enfrentamento pela via do processo coletivo, com solução integral da macrolide, além de possibilitar o conhecimento dos efeitos econômicos da violação.

2.  Justificativa
Com a diversificação das relações de consumo, as demandas aumentaram assustadoramente, comprometendo farta parcela do orçamento do jjudiciário e, mais grave, o funcionamento deste ente estatal, gerando um obstáculo intransponível ao direito fundamental de acesso à justiça.
 
Já não se identifica qualquer racionalidade no fato de um juiz julgar milhares de vezes o mesmo litígio quando dispomos de instrumentos processuais, como a ação coletiva, no qual, no caso de reconhecimento do direito postulado, se beneficia toda a comunidade vitimada, além de neutralizar o enriquecimento indevido da parte violadora do direito. Isso sem ocupar milhões de verbas orçamentárias e sem inviabiliza o sistema judicial.

E difícil, senão dramática, a situação da justiça brasileira em virtude da demanda judicial, notadamente nas questões que envolvem os bancos e concessionárias de serviços públicos, situação que vem exigindo cada vez mais do Judiciário meios processuais adequados para seu enfrentamento.
O processo deve ser entendido como forma de viabilizar o acesso à JUSTIÇA. Como tal, deve ser instrumentalizado, objetivando alcançar a satisfação do cidadão que busca efetivar um direito violado. Esse sentido teleológico do processo afeta a interpretação no emprego dos mecanismos processuais, no momento em que roga pela influência de parâmetros valorativos que privilegiam a administração da justiça. Aqui reside o ponto que pretendo chegar para justificar a imperiosa necessidade de abolirmos uma via de solução de conflitos que se mostra tão ineficaz quanto perniciosa ao funcionamento do judiciários e ao desenvolvimento, aqui considerado na expressão dos Direitos Humanos.

O excedente de demandas desnecessárias, numa simples lógica matemática, é proporcional aos litígios que ficam excluídos da apreciação judicial. Assim, a demanda produzida desnecessariamente é uma excrescência por dupla via, por reprimir a demanda real por justiça e por consumir os parcos recursos do Poder Judiciário.
A criação de instrumentos que facilitem a percepção prematura de uma avalanche de ações repetitivas e uma avaliação de seus reflexos danosos à sociedade, poderá atuar como um mecanismo de repressão às práticas ilícitas que atentam contra os direitos econômicos e obstaculizam o desenvolvimento. O monitoramento e o diagnostico dos efeitos destes fenômenos é o que se está propondo.

Extraído da Revista da Escola Nacional da Magistratura - Ano VII, no. 6, Brasília: Escola Nacional da Magistratura [2012], p. 78/79.
 

05 abril 2013

CUMULAÇÃO DE PEDIDOS NÃO É MISCELÂNEA JURÍDICA





O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre a impossibilidade de cumulação de pedidos incompatíveis, nos termos abaixo:

RECURSO INOMINADO Nº 4.378/03
ACÓRDÃO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. PEDIDO CONFUSO E COMPLEXO, ENVOLVENDO VÁRIAS EMPRESAS NO POLO PASSIVO POR FATOS DIVERSOS. INEXISTÊNCIA DE SOLIDARIEDADE. EXTINÇÃO DO FEITO QUE SE CONFIRMA.
1. O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL SE DESTINA A SOLVER CONFLITOS DE MENOR COMPLEXIDADE, OBSERVADO, AINDA, O VALOR DE ALÇADA.
2.-SE O PEDIDO INICIAL É CONFUSO DELE NÃO SE EXTRAINDO DEDUÇÃO LÓGICA, ENVOLVENDO VÁRIAS EMPRESAS NO POLO PASSIVO POR FATOS DIVERSOS, INEXISTINDO ENTRE ELAS SOLIDARIEDADE E IMPOSSIBILITADA A RESOLUÇÃO SEM PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL TRADICIONAL, CORRETA A SENTENÇA QUE JULGOU EXTINTO O PROCESSO SEM APRECIAÇÃO DE MÉRITO, NOS TERMOS DO ARTIGO 51, INCISOS I E III DA LJE E ARTIGO 420 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
3.- RECURSO IMPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES, de junho de 2005.

RELATÓRIO
 
O autor ajuizou Ação de Reparação de Danos Por Acidente de Trânsito em face de empresa de transporte turístico, corretora de seguros e oficina mecânica, pleiteando a condenação das requeridos ao pagamento dos danos causados em seu veículo, consistente na devolução da importância de R$ 997,00 pagos à concessionária, mais o pagamento de danos materiais no valor de R$ 3.000,00 pelas férias perdidas, pela cobrança indevida por parte da oficina mecânica, inclusive com a coação de envio a protesto expresso no boleto bancário e ao pagamento da quantia de R$ 5.750,00 pelo período em que ficou privado da utilização do veículo, totalizando R$ 9.747,00 e, ainda, a declaração de inexigibilidade de duplicata emitida pela oficina mecânica, que tal despesa seja paga pela empresa proprietária do veículo causador do acidente ou por sua seguradora.
Pela r.sentença de fls. 108, por reconhecer a incompetência do juizado, foi julgado extinto o processo, com fulcro no art. 51,II, da Lei 9099/95.
Inconformado, o autor interpôs recurso inominado a fls. 180/185, requerendo fosse declarada a competência do 3º Juizado Especial Cível de Vila Velha para a apreciação da matéria ou, alternativamente, remetidos os autos ao Juízo competente para o julgamento.
Contra-razões da oficina mecânica de (fls. 194/199) e da seguradora (fls. 202/204), no sentido da manutenção do julgado.
Através do acórdão de fls.208, esta Turma, em acatando voto do ilustrado Juiz-Relator, deu provimento ao recurso, acolhendo a preliminar de nulidade da sentença, a fim de que o mérito da causa seja conhecido e decidido pelo juízo a quo.
Baixados os autos, renovada a proposta de conciliação, sem êxito, foi prolatada nova sentença (fls. 244/245), julgando extinto o processo, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 51,II e III da Lei 9099/95, por reconhecer a incompetência do juizado para o julgamento da causa, bem como, pela complexidade que surgiu nesta fase uma vez que se discute o descumprimento de um contrato de prestação de serviço, que demandaria perícia técnica tradicional na forma prevista no art. 429 e seguintes do CPC.
Novamente o autor interpõe recurso inominado a fls. 247/256, pleiteando o provimento do recurso com o intuito de reformar in totum a r.sentença e ainda julgar procedentes os pedidos contidos na inicial, ante a existência de fundamentos legais e jurisprudenciais que amparam o pedido do autor, na forma do § 3º do artigo 515 do Código de Processo Civil.
Contra-razões de parte da seguradora (fls. 271/274) e da oficina mecânica fls. 275/278), no sentido da manutenção do julgado.
É o relatório.

V O T O

O pedido articulado na inicial, como facilmente constado de sua simples leitura, é absolutamente confuso e envolve diversas empresas atribuindo-lhes fatos diversos que não tem relação direta de causa e efeito com o acidente de trânsito que causou avarias no veículo do autor.
 
Para albergar indenização por ato ilícito a petição inicial deve descrever quais os atos que teriam sido praticados pelas requeridas e individualizar a responsabilidade de cada uma, vez que a responsabilidade solidária somente tem cabimento quando prevista em lei ou contrato. (Art. 265, do Código Civil).
 
Não há responsabilidade presumida, de sorte que é descabido o pedido em que não se demonstra quais os atos praticados e a responsabilidade de cada um.
 
Veja-se que o autor-recorrente pretende a condenação solidária das requeridas por diversos fatos, tais como a indenização por prejuízos decorrentes de acidente de trânsito, danos materiais e lucros cessantes por atraso na conclusão do serviço e inexigibilidade de título de crédito emitido pela mecânica, colocando no pólo passivo a empresa de Transportes cujo veículo teria colidido com o do recorrente, a Seguradora da empresa de Transportes, a Corretora de Seguros e a Oficina Mecânica.
 
Essa escandalosa miscelânea poderia ter sido rechaçada desde o início por absoluta inépcia. Insistir em pedidos incompatíveis entre si representa verdadeira aventura jurídica sem qualquer possibilidade de obter sucesso na via eleita.
 
A par dessa complexidade, em que não se encontra dedução lógica, sob o ponto de vista jurídico dos pedidos articulados na peça inicial, tenho que a r. sentença houve por bem julgar extinto o processo, sem apreciação de mérito, com fundamento no artigo 51, incisos I e III, da Lei nº 9.099/95 e artigo 420 e seguintes do Código de Processo Civil.
 
Tudo ponderado, sou por negar provimento ao recurso, respondendo o recorrente pelas custas processuais. Sem verba honorária, na inteligência do disposto no artigo 55 da LJE.
 
É como voto.

ADENDO:

A LEI

Dispõe o Código de Processo Civil:

Art. 292. É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.
§ 1o São requisitos de admissibilidade da cumulação:
I - que os pedidos sejam compatíveis entre si;
II - que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III - que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.
§ 2o Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento ordinário.

A DOUTRINA

Leciona Cassio Scarpinella Bueno:

“Não há dúvidas na doutrina quanto à possibidade de o juiz, até mesmo de ofício, indeferir a cumulação de pedidos que desatendam os pressupostos legais. Trata-se, a bem da verdade, de dever do magistrado, porque é o princípio da economia processual que norteia a ideia de, em um mesmo processo, haver a formulação de mais de um pedido. Ao magistrado cabe, sempre, obrar pela rápida solução dos litígios e da otimização da atividade jurisdicional (art. 125, II).

(Código de processo civil interpretado / Antonio Carlos Marcato, coordenador. - - São Paulo : Atlas, 2004, p.907).


A JURISPRUDÊNCIA

O Superior Tribunal de Justiça tem vasta jurisprudência sobre o tema, como, por mera exemplificação, mostra a seguinte decisão:

Processo: REsp 1202556 MG 2010/0130315-4
Relator(a): Ministra NANCY ANDRIGHI
Julgamento: 07/12/2010
Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA
Publicação: DJe 02/02/2011
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO CDE PEDIDOS. FUNDAMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS DRÉUS. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 46 E 292 DO CPC. 
  1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente,não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
  2. No âmbito da autorização processual, contida no art. 292 do CPC combinada com a regra contida no art. 46 do mesmo diploma legal - consectárias do princípio da efetividade e economia processuais -, não se encontra a possibilidade de cumulação de pedidos diversos,sob fundamentos fático-jurídicos distintos e não relacionados entre si, contra réus diversos.
  3. 3. Recurso especial não provido.