O Superior Tribunal
de Justiça, por sua Terceira Seção, composta pelos ministros que integram a
Quinta e Sexta Turma, revisou sua jurisprudência até então pacificada a
respeito do tema, para assentar que os crimes de malversação de verbas do
FUNDEF, ainda que tais verbas públicas não sejam oriundas do governo federal, devem
ser apurados e julgados pela justiça federal.
Até então o STJ cuidava
dessa questão em duas súmulas, em que diferenciava o juízo competente, se
federal ou estadual, pela simples razão da incorporação ou não ao patrimônio do
município da verba federal do Fundef enviada, nos seguintes termos:
STJ Súmula nº 208 - 27/05/1998 - DJ
03.06.1998
Competência - Processo e Julgamento - Prefeito -
Desvio de Verba - Prestação de Contas Perante Órgão Federal
Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito
municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão
federal.
STJ Súmula nº 209 -
27/05/1998 - DJ 03.06.1998
Competência - Processo e Julgamento - Prefeito -
Desvio de Verba Transferida e Incorporada ao Patrimônio Municipal
Compete à Justiça Estadual processar e julgar
prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.
Por seu sentido esclarecedor,
didático e congruente, vale transcrever o excerto do HC 62998 / RO DJ
12.03.2007 (STJ):
"Na linha do entendimento inserto nos
enunciados n. 208 e 209 da Súmula deste STJ, compete à Justiça Federal
processar e julgar crimes de desvio de verbas oriundas de órgãos federais,
sujeitas ao controle do Tribunal de Contas da União e não incorporadas ao
patrimônio do Município".
Isso evidentemente
só contribuiu para dificultar a proposição de ações penais diante da
necessidade de verificação prévia se havia ou não verba federal desviada e
serviu para estabelecer confusão e conflitos de competência entre a justiça
estadual e a federal, que doravante estarão definitivamente sepultados.
Com o novo posicionamento do STJ, originalmente modificado no julgamento
do conflito de competência 119.305-SP (DJe 23/2/2012) e ratificado no
julgamento do CC 123817-PB tem-se por superada a Súmula 209 do STJ.
Confira-se abaixo
o inteiro teor da nova decisão, que inclui ementa da decisão originária:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº
123.817 - PB (2012/0160756-9)
RELATOR : MINISTRO MARCO
AURÉLIO BELLIZZE
SUSCITANTE : JUÍZO FEDERAL DA 1A VARA
DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DA PARAÍBA
SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DE
ITABAIANA - PB
INTERES. : SEBASTIÃO TAVARES DE OLIVEIRA
INTERES. : JUSTIÇA PÚBLICA
EMENTA
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.
MALVERSAÇÃO DE VERBAS PÚBLICAS ORIUNDAS DO FUNDEF. AUSÊNCIA DE COMPLEMENTAÇÃO
DE VERBAS FEDERAIS. IRRELEVÂNCIA. CARÁTER NACIONAL DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO.
INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Após o julgamento do CC nº
119.305/SP, a Terceira Seção desta Corte, mudando a
jurisprudência até então pacificada,
passou a entender ser da competência da Justiça Federal a apuração, no âmbito
penal, de malversação de verbas públicas oriundas do FUNDEF, independentemente
da complementação de verbas federais, diante do caráter nacional da política de
educação, o que evidencia o interesse da União na correta aplicação dos
recursos.
2. Conflito conhecido para declarar
competente o Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado da Paraíba,
o suscitante.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça,
na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade,
conhecer do conflito e declarar competente o Suscitante, Juízo Federal da 1ª
Vara da Seção Judiciária do Estado da Paraíba, nos termos do voto do Senhor
Ministro Relator. As Sras. Ministras Assusete Magalhães, Alderita Ramos de
Oliveira (Desembargadora convocada do TJ/PE) e Laurita Vaz e os Srs. Ministros
Jorge Mussi, Og Fernandes e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro
Relator. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Brasília (DF), 12 de setembro de 2012 (data do
julgamento).
MINISTRO
MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator
RELATÓRIO
Cuida-se de conflito
negativo de competência estabelecido entre o Juízo Federal da 1ª Vara da Seção
Judiciária do Estado da Paraíba e o Juízo de Direito da Vara Criminal de
Itabaiana, no mesmo Estado.
Consta dos autos que o
Ministério Público do Estado da Paraíba denunciou Sebastião Tavares de
Oliveira, ex-Prefeito Municipal da cidade de Itabaiana/PB, como incurso no art.
1º, incisos I, III, XI, XIII (113 vezes), XIV e XVII, do Decreto-Lei nº
201/1967, c/c o art. 71, caput,
do Código Penal, e art. 89 da Lei 8.666/93, em concurso material, em razão do
desvio e malversação na aplicação das verbas do FUNDEF, dentre outras condutas
(fls. 3/14).
O feito tramitava no
Tribunal de Justiça da Paraíba que remeteu ao Juízo de primeiro grau, por
entender que não havia prerrogativa de foro para julgamento de ex-prefeitos.
Após o término da
instrução processual, o Juízo de Direito da Comarca de Itabaiana/PB, aplicando
a incidência do enunciado nº 208 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça,
declinou de sua competência para a Justiça Federal (fls. 15/17).
O Juízo Federal, por sua
vez, suscitou o presente conflito negativo de competência, por entender que, no
ano de 2005, não houve complementação de verbas da União para integralização
dos valores repassados pelo FUNDEF ao Município de Itabaiana/PB (fls. 24/25).
A Procuradoria Geral da
República opina no sentido de que seja declarada a competência da Justiça
Federal (fls. 33/37).
É o relatório.
VOTO
Como
visto, Sebastião Tavares de Oliveira, ex-Prefeito Municipal da cidade de
Itabaiana/PB, foi denunciado pela suposta prática dos crimes previstos no art.
1º, incisos I, III, XI, XIII (113 vezes), XIV e XVII, do Decreto-Lei nº
201/1967, c/c o art. 71, caput,
do Código Penal, e art. 89 da Lei 8.666/93, em concurso material, em razão do
desvio e malversação na aplicação das verbas do FUNDEF, dentre outras condutas.
O Juízo de
Direito, entendendo ser absolutamente incompetente, remeteu os autos à Justiça
Federal, que, por sua vez, suscitou o conflito, por entender que não houve a
complementação de verbas por parte da União.
No caso,
tenho que assiste razão ao Juízo suscitado. É certo que o entendimento jurisprudencial que prevalecia
neste Tribunal Superior era no sentido de que apenas quando houvesse a
complementação de verbas federais aos recursos do FUNDEF, era possível
evidenciar o interesse da União, e, consequentemente, fixar a competência da
Justiça Federal.
Nesse sentido:
A - PENAL.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MALVERSAÇÃO DE VERBAS DO FUNDEF. PREFEITO MUNICIPAL.
RECURSOS QUE NÃO ADVIERAM DA UNIÃO. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE DO GOVERNO
FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. Quando
a malversação de verbas decorrentes do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF não envolver
recursos advindos da União, não há falar em competência da Justiça Federal.
2.
Conflito conhecido para julgar competente o Juízo de Direito da 1ª Vara
Criminal e de Fazendas Públicas da Comarca de Nerópolis/GO. (CC nº 104.306/GO,
Terceira Seção, Relatora a Ministra MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 28/8/2009.)
B - PENAL.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. MALVERSAÇÃO DE VERBAS DO FUNDEB.
PREFEITO MUNICIPAL. NÃO-COMPLEMENTAÇÃO DO FUNDO PELA UNIÃO. NOVA SISTEMÁTICA
TRAZIDA PELA LEI 11.494/07. PRESTAÇÃO DE CONTAS AO TRIBUNAL DE CONTAS DO
ESTADO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 208/STJ.
COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. O
FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação atende a uma política nacional de
educação, sendo regulamentado pela Lei 11.494/07, que revogou a Lei 24/96 do antigo
FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério.
2.
Compete aos Tribunais de Contas da União fiscalizar o cumprimento do disposto
no art. 212 da Constituição, que trata do sistema de ensino no país, na
hipótese de haver complementação da União na composição do fundo, conforme dispõe
o art. 26, inciso III, da Lei 11.494/07.
3. Não
ocorrendo a complementação do Fundo com recursos da União, inexiste o seu interesse
direto na gestão desses recursos, sendo inaplicável a Súmula 208/STJ.
4.
Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Comarca
de Porteirinha/MG, ora suscitado. (CC nº 88.899/MG, Terceira Seção, Relator o
Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA,
DJe de 4/6/2009.)
Entretanto,
após o julgamento do CC nº 119.305/SP, realizado em 8/2/2012, a Terceira Seção
desta Corte, mudando a jurisprudência até então pacificada, passou a entender
ser da competência da Justiça Federal a apuração, no âmbito penal, de
malversação de verbas públicas oriundas do FUNDEF, independentemente da
complementação de verbas federais, diante do caráter nacional da política de
educação, o que evidencia o interesse da União na correta aplicação dos recursos.
Confira-se o referido
precedente:
CONFLITO
DE COMPETÊNCIA. PENAL. PREFEITO CONDENADO PELO JUÍZO ESTADUAL, EM FACE DO RECONHECIMENTO
DE DESVIO DE VERBAS ORIUNDAS DO FUNDEF. JUÍZO ESTADUAL INCOMPETENTE (ART. 5º,
LIII, CF/88). PRESTAÇÃO DE CONTAS PERANTE O TCU (ART. 71 DA CARTA MAGNA).
INDISCUTÍVEL INTERESSE DA UNIÃO. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 211, § 1º, PARTE FINAL
E 212, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 218/STJ. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O
MESMO TEMA. RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. O
FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério, atende a uma política nacional de educação (artigo
211, § 1º, parte final).
2. A teor
do disposto no artigo 212, caput,
da Carta Magna, 'A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da
receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências,
na manutenção e desenvolvimento do ensino.'
3. A
malversação de verbas decorrentes do FUNDEF, no âmbito penal, ainda que não
haja complementação por parte da União, vincula a competência do Ministério
Público Federal para a propositura de ação penal, atraindo, nessa hipótese, a
da Justiça Federal, bem como o controle a ser exercido pelo TCU, conforme dispõe
o artigo 71 da CR/88.
4.
Evidenciado o interesse da União frente à sua missão constitucional na
coordenação de ações relativas ao direito fundamental da educação, principalmente
por tratar-se de fiscalização concorrente entre entes federativos, a
competência é da Justiça Federal, sendo nula a sentença condenatória proferida por
Juízo Estadual, a teor do disposto no artigo 5º, III, da Carta Republicana.
5.
Conflito de competência conhecido, a fim de determinar o retorno dos autos ao
TJSP, para que anule a sentença estadual, remetendo-os a uma das Seções
Judiciárias integrantes do TRF 3ª Região, para que o Juízo singular Federal
decida como entender de direito, sob pena de supressão de instância. (CC nº 119.305/SP,
Relator o Desembargador convocado ADILSON
VIEIRA MACABU, Terceira Seção, DJe de 23/2/2012.)
Portanto, a despeito da
ausência de complementação de recursos por parte da União, por se tratar de
questão criminal, a competência será da Justiça Federal para processar e julgar
a ação penal correspondente.
Ante o
exposto, conheço do conflito para declarar competente o Juízo Federal da 1ª
Vara da Seção Judiciária do Estado da Paraíba, o suscitante.
É como voto.