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31 agosto 2011

PRESIDENTE DO STF E JUSTIÇA EM NÚMEROS

O ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), abriu na manhã de segunda-feira (29), na Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf), em Brasília, o Seminário Justiça em Números, onde divulgou o relatório de estatísticas do poder Judiciário.

Nesta edição, o relatório apresenta informações sobre a realidade da Justiça no país e dá destaque a análises comparativas entre os anos de 2009 e 2010, além de fornecer os principais resultados agregados da estrutura e litigância da Justiça Estadual, Federal e Trabalhista.

Na abertura do seminário, o ministro destacou as novidades da edição 2011. Este ano o relatório permite, pela primeira vez, a comparação de importantes indicadores introduzidos no ano passado, como o quantitativo processual criminal, não criminal, fiscal e não fiscal.

Outra novidade, de acordo com o ministro, é o detalhamento mais completo de dados de despesa pública e de orçamento do poder Judiciário, bem como a finalização dos trabalhos para a inclusão, a partir do ano que vem, dos dados e estatísticas das Justiças militar, eleitoral e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O material integra o Sistema de Estatísticas do Poder Judiciário (SIESPJ) e engloba a coleta e o tratamento que possibilitam abrir, em bases consistentes, a discussão para o entendimento de indicadores orçamentários, administrativos e de litigiosidade da justiça brasileira.

Números
No que diz respeito a ações judiciais, tramitaram no ano de 2010 o total de 83,4 milhões de processos no poder Judiciário. Esse montante representa um aumento de 0,6%, em relação ao ano anterior.

O aumento derivou, principalmente, do crescimento dos casos pendentes, uma vez que houve redução dos casos novos em 2010. Mas, segundo o presidente do STF, apesar da inédita redução dos casos novos, os dados do Justiça em Números demonstram aspectos negativos que merecem atenção. O principal deles refere-se ao aumento da taxa de congestionamento entre os anos de 2009 e 2010, que passou de 67% para 70%.

“Um estudo mais detido revela que o maior gargalo da Justiça se encontra na fase de execução do primeiro grau de Justiça Estadual, onde a taxa de congestionamento chega a 90%, principalmente por causa dos processos de execução fiscal”, declarou o ministro Peluso.

Segundo o ministro, o diagnóstico de estatística é o primeiro passo para o aprofundamento das causas que estão por trás dos números.

O presidente também comentou sobre um levantamento realizado pelo IPEA sobre as chamadas execuções fiscais. De acordo com ele, a grande maioria delas é provocada por organismos profissionais.“Elas ocupam no Judiciário um número elevadíssimo de demandas para cobrar as taxas de pagamentos desses organismos, de valores baixíssimos – para cobrar mil e quinhentos reais, provocam uma despesa judiciária de quatro mil e quinhentos reais”, declarou o ministro.

Para ele, se a legislação previsse que ao invés de recorrer diretamente à Justiça houvesse algum mecanismo prévio na área administrativa, dentro de um prazo razoável, isso poderia aliviar o Judiciário.

Processos
O poder Judiciário recebeu 24,2 milhões de novos processos, em 2010 – um milhão a menos do que em 2009. A queda de 3,9% no período foi verificada nos três ramos da Justiça – estadual, federal e trabalhista – que integram o Sistema de Estatísticas do Poder Judiciário, fonte da pesquisa Justiça em Números, elaborada pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base nas informações dos tribunais. É a primeira vez desde 2004 que cai o número de processos novos.

Para o conselheiro do CNJ José Guilherme Vasi Werner, a redução no número de processos foi acompanhada também com uma pequena redução no número de casos em tramitação, mas a taxa de litigiosidade continua elevada, em cerca de 70%.

A taxa de congestionamento envolve todos os processos que entraram e aqueles que não foram solucionados no período de 2010, ou seja, entraram menos casos, mas também menos casos foram solucionados no ano de 2010.

De acordo com o conselheiro, o CNJ está verificando o aumento dos processos de executivo fiscal, quais os impactos que eles têm nas estatísticas, e na própria tramitação dos processos como um todo na Justiça.

“Muitos desses processos são burocráticos que, em tese, poderiam ser resolvidos administrativamente”, explicou o conselheiro Werner.

Sociedade
O presidente do STF enfatizou que o Conselho Nacional de Justiça e o Judiciário brasileiro estão empenhados na consolidação do imenso processo de reforma e modernização, que se subdividem em duas vertentes complementares, o acesso da população à Justiça e o combate à morosidade dos processos da minoria, que hoje recorrem aos tribunais para a solução de litígio.

“Não podemos esquecer que por trás dos números divulgados existem pessoas que buscam na Justiça um meio civilizado de pacificação”, concluiu o ministro.

Também participaram da abertura do seminário o advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Lucena Adams, o presidente do Tribunal Regional da 1ª Região, desembargador Olindo Menezes e o conselheiro do CNJ José Guilherme Vasi Werner.

Fonte: STF.

Nota do blog:
É sabido que o maior cliente do judiciário é o poder público através de seus inúmeros órgãos e instituições, que recorrem a mais não poder. E serve de exemplo para todos. Se o poder público reluta às últimas consequências o cumprimento de decisão judicial, incentiva aos demais que façam o mesmo.

As execuções fiscais de autarquias profissionais também ajudam a atolar o judiciário.

A taxa de congestionamento maior no último ano pode estar ligada ao cumprimento das metas estabelecidas pelo CNJ fazendo com que juízes e tribunais dessem maior atenção aos processos ainda não julgados para atender as metas estabelecidas.

Por fim, também contribuem- e muito - para a litigiosidade a omissão das agências reguladoras e dos órgãos controladores que não exercem autoridade suficiente com as empresas reguladas e controladas, as quais se sentem livres para continuar atazanando o consumidor, o qual só tem meio de compelí-las pela via judicial.

Precisa mudar a cultura de tudo levar ao judiciário. Outros canais de resolução de conflitos devem ser buscados para evitar tantas demandas, muitas delas absolutamente resolvíveis por outros meios.

30 agosto 2011

A ESTRANHA TEORIA RAIMUNDIANA






Xavier Neto
Jornalista, bacharel em Direito e Agente Federal aposentado.




Participar das operações policiais de erradicação de maconha no interior de Pernambuco, além de instrutivo, era bastante divertido. Hoje é tudo mais perigoso, já que o crime organizado evoluiu mil vezes. Mas veja só, paciente leitor,  o que aconteceu ali perto da cidade de Belém do São Francisco, uma cidadezinha do interior do estado. 

Era setembro de 1986, e após os levantamentos técnicos, os federais invadiram toda a região que é conhecida como "Polígono da Maconha". A "Rodovia  Transmaconheira", que liga Salgueiro ao Piauí, fervilhava de viaturas com o escudo da Polícia Federal e, no céu, além dos urubus, avoantes e escassos periquitos, muitos helicópteros lotados de Agentes armados até os dentes.

Em razão do grande movimento, Delegados e Escrivães não tinham um minuto de descanso, lavrando dezenas de flagrantes, fazendo perguntas sem fim. Aquelas coisas que todo mundo conhece. Nas rodovias, estradas e veredas, os Agentes faziam prisões de fazendeiros e peões responsáveis pelo cultivo da cannabis sativa que iria abastecer as grandes cidades do Nordeste, boa  parte do mercado consumidor brasileiro.

Dados técnicos colhidos pela equipe precursora, somadas às imagens do satélite americano, davam conta de que na Fazenda Jatobá do Meio, estava sendo cultivada uma grande plantação de maconha. Duas equipes estão encarregadas de prender os responsáveis e, conseqüentemente, destruir a plantação. Como os helicópteros estão   empenhados em outras missões, resta aos policiais sair em campo em busca do local, por caminhos e veredas perigosas, tendo que abrir dezenas de porteiras e cancelas, tornando-os alvos fáceis para uma emboscada.

Após quase três horas de poeirão estradino, as equipes chegaram ao local onde havia uma bifurcação. Pela vegetação, os Agentes puderam deduzir que estavam bem próximos ao Rio São Francisco, local preferido dos traficantes para cultivar a erva. As equipes, distribuídas em duas viaturas, decidiram pela estratégia de cercar o local por duas frentes, visando a encurralar quem estivesse ali cuidando da plantação. Em cada uma das equipes registrava-se a presença de folclóricas figuras do cotidiano policial federal. Em uma, o Agente José Raimundo e, na outra, o Agente Deó, conhecidos nacionalmente por suas peripécias operacionais. Reconhecidamente competente, esta dupla de profissionais adocicava o cotidiano das operações com fatos pitorescos e hilariantes.

Uma das equipes, a do Zé Raimundo, conseguiu - no jargão policial - lograr êxito e localizou o plantio com rapidez. Ao notar a aproximação dos federais, no entanto, o grupo de peão que fazia a segurança do local conseguiu fugir correndo, embrenhando-se na mata. O Agente Zé Raimundo, no entanto, muito esperto, conseguiu "arrecadar" a prova que queria: um  par de chinelos Havaianas falsificado, já que apresentava nitidamente as marcas dos pés do dono, causadas pelo peso do corpo do indivíduo. A legítima, como é sabido, não deforma, não solta as tiras e nem tem cheiro. Mas esta é outra conversa. Não cabe jabá neste causo.

Para o "perito" Zé Raimundo, não havia dúvidas. Era elementar: o detentor do chinelo era o responsável pela plantação. Restava agora apenas localizar o suspeito e fazê-lo, obviamente, calçar o calçado. Enquanto explicava para o resto da equipe - a essa altura atônita – a sua teoria raimundiana, alguém chama pelo rádio HT. Era o Agente Deó, da outra equipe, querendo saber de notícias. 

Pelas ondas do rádio, Raimundão tenta explicar o caso em rápidas palavras, mas não consegue terminar. É interrompido pelo sarcástico comentário do folclórico Deó:

- Ah! Entendi, Raimundão. Tô manjando! Se eu entendi bem, você quer dar o Flagrante Cinderela, não é?!
Diante da gargalhada geral, não teve outro jeito. Caiu por terra a teoria raimundiana do inédito flagrante, restando aos policiais procurar os fugitivos, que - por sinal - foram encontrados uma hora depois às margens do Velho Chico.

Extraído do site Sindipol/DF

29 agosto 2011

EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA



Foi publicada no D.O.U do dia 12/07 a lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011, que altera o Código Civil para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI).
1) Mens Legislatoris

Origina-se a lei 1244/11 do PL nº 4605 de 2009, apresentado pelo Deputado Marcos Moura. A justificativa compõe-se quase inteiramente de texto redigido por Guilherme Duque Estrada de Moraes[1] a que se remete o leitor, e o objetivo da alteração foi assim sintetizado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara:
Os pontos principais são facilitar a vida do pequeno empreendedor, inclusive tornando mais barata a constituição de empresa individual, por causa da maior simplicidade. É mencionada, na justificação, situação que é do conhecimento de todos os que lidam mais ou menos proximamente com empresas: o caráter fictício de muitas "sociedades limitadas", nas quais um dos sócios é proprietário da quase totalidade das cotas, enquanto os demais apenas emprestam seus respectivos nomes para que a "sociedade" se possa constituir.

O texto primitivo do PL sofreria, na CCJ daquela casa, modificações à primeira vista singelas, mas dotadas de significativa relevância prática, que por isso receberão exame minucioso em sede própria[2].
2) Classificação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada

2.1) Enquadramento dado Pelo Texto Primitivo do PL: Sociedade

O texto primitivo do PL, mantido pela Comissão de Assuntos Econômicos, alocava no Título II, dedicado à Sociedade, as inovações em exame, cuja previsão constaria, se prevalecesse a redação originária, no art. 985-A do Código. Seria, portanto, a EIRELI uma espécie de sociedade se mantido houvesse sido o Projeto de Lei, ponto corroborado pela então redação do art. 985-A, que rezava constituir-se a “empresa individual de responsabilidade limitada” “por um único sócio”.
2.2) Reclassificação Promovida pela CCJ da Câmara: Nova Espécie de Empresa

Daria a CCJ da Câmara, mediante substitutivo apresentado pelo relator da matéria naquela comissão, Deputado Marcelo Itagiba, novo enquadramento à EIRELI. Alterando-se o art. 44 do CC, conferiu-se-lhe status de pessoa jurídica de direito privado inequivocamente não subsumível às demais dessa espécie (associações, sociedades, fundações, organizações religiosas e partidos políticos)[3]. Realocando-se a matéria, que a redação originária do PL (cf. supra, 2.1) pretendia inserir no título dedicado às sociedades, para título próprio (I-A), reforçou-se tal enquadramento, evidenciando-se não se cuidar a modalidade de empresa em exame de sociedade, mas sim de nova espécie cujo caráter é próprio e inconfundível[4]. Adequou-se, por fim, a redação do art.980-A, dele suprimindo-se o termo sócio[5].
2.3) Crítica à Redação da Lei 12441/11

Em o item 2.2, supra, apontou-se que a CCJ da câmara suprimira o vocábulo “sócio”, empregado no texto primitivo do Projeto de Lei, por reputá-lo incompatível com a EIRELI, pessoa jurídica não subsumível à classe das “sociedades”. A poda foi incompleta para debelar o mal pela raiz, uma vez que, para aludir-se à exigência de capital integralizado, empregou-se o qualificativo “social”, aplicável somente, seria ocioso dizê-lo, às sociedades. Não bastasse isso, no §1º do art. 982-a, autorizou-se o empresário individual a se valer da “razão social”, denominação própria, outra vez, das sociedades…

A bisonha manutenção do adjetivo social por quem proclamara a necessidade sepultá-lo levou
a doutrina a consignar padecer a EIRELI de “crise de identidade”. Em verdade, mais preciso seria afirmar-se que os pais da recém-nascida entidade foram inadmissivelmente relapsos ao denominá-la.
3) Exigência de Capital "Social" Integralizado Equivalente a 100 Salários Mínimos

O texto primitivo do PL não previa a necessidade de constituição de capital “social” (rectius: inicial[6]) para a criação de EIRELI. Instituiu a exigência a CCJ da Câmara, e do parecer por ela aprovado transcreve-se a razão de sua criação:
(…)se faz conveniente delimitar, em proporção razoável, o porte da organização que se pode constituir como empresa individual, a fim de que não se desvirtue a iniciativa nem esta se preste a meio e ocasião para dissimular ou ocultar vínculo ou relação diversa, propugnamos introduzir parâmetro mínimo apto a caracterizar a pessoa jurídica de que ora se trata, fazendo supor que se reúnem suficientes elementos de empresa, como sede instalada ou escritório, equipamentos etc., tal como se fez para caracterizar microempresas e o empresário individual, nas respectivas leis reguladoras.

Com este propósito, estabelecemos que o capital social não deva ser inferior ao equivalente a 100 salários mínimos, montante a partir do qual se tem por aceitável a configuração patrimonial da empresa individual. A tanto, emendamos a redação dada ao caput do art. 985-A proposto (art. 980-A), a ser aditado ao Código Civil por força do art. 2° do Projeto.

3.1) Críticas à Exigência

3.1.1) Possível Inconstitucionalidade da Vinculação ao Salário Mínimo, Prevista no art. 980-A

Pode-se sustentar que contraria a letra do art. 7º, IV, parte final da Constituição Federal a vinculação do “capital social” exigido para a criação de EIRELIs ao salário mínimo[7]. Neste caso, urge que os legitimados a provocar o exercício do controle de constitucionalidade concentrado pelo STF o façam com a maior brevidade possível, a fim de evitar que a norma inquinada de inconstitucional produza efeitos, alguns deles quiçá irreversíveis[8]. Há, porém, na doutrina, quem defenda a constitucionalidade do preceito. É esse o entendimento de Daniel Berselli:
No que tange a constituição do capital social não inferior em 100 vezes o valor do salário mínimo, não fere o disposto na Constituição Federal, artigo 7º, IV, parte final, que veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim. A interpretação entende-se se tratar de proibição relativa, haja vista as hipóteses em que a própria Carta nos permite vincular ao salário mínimo.

O objetivo foi evitar, tão somente, que o salário mínimo fosse utilizado como fator de indexação econômica, de forma que sua majoração desencadeasse processos inflacionários, com reflexos, obviamente, na política econômica da país. Deve-se entender que essa vedação foi dirigida aos contratos de natureza civil, referentes a transações econômicas.

3.1.2) Exagero do Valor
Acoimou-se de exagerado o valor de 100 salários mínimos previsto na lei 12441/11[9]. À guisa de comparação, note-se que o legislador português, ao versar a matéria, estabeleceu que 5.000 euros seriam suficientes para constituir o capital inicial da empresa individual de responsabilidade limitada, e o chileno sequer impôs tal exigência.
3.1.3) Arbitrariedade na Escolha do Valor. Possível Inconstitucionalidade.
Não se encontra, nos documentos referentes ao processo legislativo de que se origina a norma em exame[10], um único estudo científico, uma única alusão a qualquer parâmetro objetivo que haja balizado a escolha do valor de 100 salários mínimos pelo legislador. Deveria ser desnecessário dizê-lo, mas tal matéria não poderia jamais ser objeto de decisão arbitrária, sob pena de frustrar o objetivo mesmo da norma e malferir a Constituição. O número 100, ninguém negará, soa bem aos ouvidos, mas isso não deveria bastar para inseri-lo em texto legal. Se, de fato, sua eleição foi desacompanhada de qualquer embasamento técnico, é possível demonstrar-se, inclusive mediante a colheita de dados estatísticos e indicações de direito comparado, a inconstitucionalidade decorrente da violação aos princípios da isonomia e da razoabilidade. Por que se negar ao cidadão que disponha de 50 salários mínimos o direito de constituir uma EIRELI, quando em Portugal é assaz inferior o montante necessário para fazê-lo, e no Chile sequer existe exigência dessa espécie (como, aliás, previa o texto primitivo do PL), é questão cuja resposta, se desprovida de fundamentos sólidos, atesta a contrariedade aos supracitados princípios.
4) (Im)possibilidade de Criação de EIRELI por Pessoa Jurídica

Parcela da doutrina tem assentado a possibilidade de pessoa jurídica constituir EIRELI. Tal é a opinião de Fernando Garcia Pinheiro[11]:
(…) a Lei 12.441/2011 vai além e também admite que, sob a roupagem da EIRELI, qualquer pessoa jurídica, isoladamente, constitua uma ou mais subsidiárias integrais, alargando a faculdade que já era admitida, exclusivamente, para as sociedades anônimas.
Sufraga-a Bernardo Gonçalves Siqueira[12]

Surge, no entanto, pela redação da nova lei, o questionamento acerca da possibilidade de figurar como sócia desta modalidade societária pessoa jurídica. Não há no novo texto normativo, qualquer previsão contrária a tal hipótese, fato corroborado pela assertiva de que, ao aplicar à norma as regras das sociedades limitadas, nada impediria que uma pessoa jurídica figurasse como titular da nova modalidade empresária.

Podemos fundamentar a indagação em comento, também, com base no próprio caput do artigo 980-A que, ao mencionar que a sociedade será constituída por "uma única pessoa", que a norma não tratou de delimitar a sua aplicação às pessoas físicas. Outro ponto que nos leva a crer por tal possibilidade, é que a exceção existente no parágrafo segundo do mencionado artigo, voltada exclusivamente para pessoa física, aponta que esta não é a única pessoa capaz de constituir a empresa individual de responsabilidade limitada.

Não obstante a possibilidade ora defendida, de fato a EIRELI terá maior utilidade prática às pessoas físicas do que as jurídicas.

É necessário averiguar a gênese do problema em busca de elementos para solucioná-lo. Abriu ensanchas ao entendimento que reputa possível a criação de EIRELI por pessoa jurídica a má alteração do texto primitivo do PL pela CCJ da Câmara. A redação originária consignava, expressis verbis, que somente a “pessoa natural” poderia constituir Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. O texto do substitutivo apresentado pelo Deputado Marcelo Itagiba trasladou o termo “natural”, que constaria do caput do agora art. 980-A se prevalecesse o texto originário, para o §2º, mantendo somente o vocábulo pessoa, que designa, em nosso ordenamento jurídico, o gênero (CC/02, art. 1º) que abarca tanto as físicas (rectius: naturais) quanto as jurídicas[13]. Esta impensada supressão, portanto, é que da azo à supramencionada interpretação segundo a qual também às pessoas jurídicas seria dado constituir EIRELIs[14]. É certo, porém, que tal exegese contravém à mens legislatoris[15] e à finalidade da norma, e para conjurar o risco de que se a adote tem-se de recorrer a outros adminículos hermenêuticos. Pode-se, v.g., alegar que o vocábulo “individual” restringe às pessoas físicas o direito de constituí-las, mas é forçoso reconhecer-se a deficiente redação do preceito, já que, no rigor da técnica, não se poderia ter aludido à pessoa natural apenas no §2º sem mencioná-la também no caput, caso se desejasse exprimir, com precisão, o restrito alcance pretendido pelo legislador, uma vez que parte do campo semântico do vocábulo individual abarca também as pessoas jurídicas[15a].
4.1) Inconstitucionalidade do §2º do art. 980-A, se Prevalecente a Interpretação Que Reputa Possível, à Pessoa Jurídica, Constituir EIRELI

Parece reforçar a conclusão de que - a despeito da deficiente redação do art. 980-A, caput (cf. supra, n.4.), do CC - somente à pessoa natural seria dado o direito de constituir Empresa Individual de Responsabilidade Limitada a circunstância de a interpretação que o estendesse às pessoas jurídicas tornar inconstitucional o limite previsto no §2º do mesmo preceito. Violaria, note-se, o princípio da igualdade possibilitar-se às pessoas físicas a criação de uma única EIRELI e facultar-se às jurídicas constituir quantas desejassem (uma vez que a integralização do capital “social”, fixado em 100 salários mínimos, tornaria idênticos os riscos a que se sujeitariam os  que com ela contratassem, independentemente da espécie de pessoa que a houvesse criado), e tal seria o resultado de se lhes atribuir o direito de constituí-las.
5) Possibilidade de a EIRELI Resultar da Concentração das Quotas de Sociedade na Pessoa de Um Único Sócio

O §3º do art. 980-A prevê a possibilidade de a empresa individual de responsabilidade limitada resultar da concentração das cotas sociais na pessoa de um único sócio, qualquer que seja a sua causa. Harmoniza-se com esta disposição a nova redação do parágrafo único do art. 1033 (cf. infra, n.6). A interpretação do preceito suscita a questão de saber o que se passará quando o capital da sociedade for inferior ao mínimo exigido para a criação da EIRELI, versada em o item 6.1, infra.
 
6) Desnecessidade de Dissolução de Sociedade, Devido à Falta de Pluralidade de Sócios - Nova redação do art. 1033 do CC

No regime primitivo, ainda em vigor, a superveniente inexistência de pluralidade de sócios (v.g. em razão do falecimento, retirada ou exclusão dos demais) acarretava para o único remanescente a obrigação de reconstitui-la no prazo de 180 dias, sob pena de se operar a dissolução da sociedade (com efeitos ex nunc[16]) , que somente poderia ser evitada, subsistindo a unicidade, mediante a sua transformação em empresário individual[17].
6.1) Aplicação da Regra às Sociedades Cujo Capital Seja Dividido por Ações

Diogo Jorge Favacho dos Santos defenda a aplicação do §3º do art. 1033 às sociedades cujo capital seja divido por ações, especialmente as anônimas de capital fechado[18]:

(…) cremos que a lei disse menos do que pretendia. Ao dispor que a EIRELI "poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária" dá a entender que apenas as sociedades que possuem seu capital social divididos em quotas (sociedade Limitada, Cooperativa, Simples e em Nome Coletivo) podem se transformar em EIRELI.

Contudo, a princípio, parece que uma interpretação extensiva pode ser realizada nesse novel dispositivo legal, possibilitando que as sociedades com seu capital dividido por ações também possam alterar sua natureza para uma EIRELI.

E isso se deve pois existem sociedades por ações, principalmente as anônimas de capital fechado, que não possuem um capital social deveras significativo e que possuem um número de sócios pequeno.

6.2) (Im)possibilidade da Transformação, se Inferior a 100 Salários Mínimos o Capital Social

Uma vez que o art. 980-A veda a constituição de EIRELI se inferior a 100 salários mínimos o (impropriamente denominado) “capital social”, infere-se que a transformação de sociedade a que falte pluralidade de integrantes, prevista na nova redação do parágrafo único do art. 1033, também dependerá do cumprimento desse requisito. Apontou-se, em 3.1.1, a possível inconstitucionalidade do preceito, e terá o sócio remanescente a que se negue, com base nesse fundamento, a mutação, legitimidade para arguir tal vício. Diversos desfechos podem advir do seu reconhecimento pelo judiciário: desde a supressão da exigência até a sua manutenção, vedada somente a vinculação ao salário mínimo. Para que se garanta o primeiro, convém apontar-se violação ao princípio da proporcionalidade, ante a falta de critérios para o estabelecimento do montante (cf. supra, 3.1.2 e 3.1.3).
7) Aplicação Subsidiária das Regras Atinentes às Sociedades Limitadas

O §6º do art. 980-a preceitua aplicarem-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas. O texto primitivo do PL explicitava serem os arts. 1052 a 1.087 os incidentes, e condicionava a sua aplicação à inexistência de conflito com a natureza jurídica da EIRELI.
8) Possibilidade de Remuneração Decorrente da Cessão de Direitos Patrimoniais de Autor ou de Imagem, Nome, Marca ou Voz, à EIRELI  Constituída, Pelo Titular do Direito, Para a Prestação de Serviços

O texto primitivo do PL era omisso a respeito da inovação constante do §5º do art. 980-A. Partiu da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara a iniciativa de criá-la, restringindo-a, porém, às empresas constituídas para a “prestação de serviços de natureza científica, literária, jornalística, artística, cultural ou desportiva”. O substitutivo da CCJ viria a ampliar a sua incidência, estendendo-a às EIRELIs constituídas “para a prestação de serviço de qualquer natureza”.
9) Veto do §4º do art. 980-A.  Alcance do Princípio da Autonomia Patrimonial da Pessoa Jurídica

Foi o §4º do art. 980-A vetado por entender o executivo que cingir a responsabilidade pelas dívidas da empresa, apenas ao seu patrimônio, “em qualquer situação” poderia dar azo à interpretação de que não se aplicaria às EIRELIs o art. 50 do CC, que contempla as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica.

Uma vez que na Justiça do Trabalho prevalece o entendimento de ser a simples insuficiência de patrimônio para solver os débitos causa bastante e suficiente para desconsiderar-se a personalidade jurídica, quer a garantia do art. 980-A,§4º, vetado, quer os requisitos do art. 50 do CC, são quimeras sobre que é despiciendo versar no presente texto.
10) Vacatio Legis

Estabelece o art. 3º da lei 12441/11 que a norma entrará em vigor 180 (cento e oitenta) dias depois de publicada.
Notas do Autor:
[2] Cf. os itens 2,3,4 e 8.
[3] Do referido parecer, transcreve-se a razão invocada para a alteração:
“Para dar maior sistematicidade ao texto, tendo em vista a redação vigente do Código Civil brasileiro, é preciso que sejam ajustadas as redações dos artigos 44 e 1.033. Do art. 44, para que dele conste a empresa Individual de Responsabilidade Limitada no rol das pessoas jurídicas de direito privado existentes no País; e do art. 1033, para que, de mesmo modo, esta nova modalidade de empresa conste do seu parágrafo único”
[4] O parecer aprovado na CCJ do Senado consignou ser a EIRELI “nova modalidade de pessoa jurídica de direito privado”.
[5] Do parecer aprovado pela CCJ da Câmara, colhe-se:
A terminologia "sócio", na medida em que esta palavra significa aquele que se associa a outro numa empresa, a nosso ver, deve ser evitada, já que,na espécie, será impossível referida associação.
Referida comissão falharia na missão de podar do PL o indevido emprego do adjetivo social. Vide, ao propósito, o item 2.3, supra.
[6] Sobre a impropriedade do emprego do qualificativo social, cf. o item 2.3, supra.
[7] Nesse sentido, cf. Leonardo Gomes de Aquino, A empresa individual limitada: uma figura inócua ou um acerto legislativo?
[8] Vide, a esse respeito, também as considerações formuladas em o item 6.2
[9] Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, A empresa individual de responsabilidade limitada
[10] Transcreveu-se o respectivo excerto do parecer aprovado na CCJ da Câmara, em que se estabeleceu a exigência, em o item n. 3. Além dele, nada mais há a respeito na documentação disponível nos sites das duas Casas Legislativas.
[13] Por essa razão, corretamente o legislador português restringiu, ao regulamentar a matéria mediante o DL 248/86, à “pessoa singular” o direito de constituir “estabelecimento individual de responsabilidade limitada”
[14] Corretos os textos do DL 248/86, de Portugal, e da Lei 19.857/2003, do Chile, que regulamentam o instituto nesses países. O art. 1º da norma portuguesa expressamente restringe o direito a “qualquer pessoa singular”, e o do diploma chileno o reserva a “toda pessoa natural”.
[15] O parecer aprovado na CCJ do Senado deixa claro haver adotado aquela Casa a premissa de que somente às pessoas naturais seria atribuído o direito de constituir EIRELIs. Dele se transcreve:
A responsabilidade ilimitada do empresário (pessoa natural) dificulta o desempenho eficiente da atividade econômica. Uma pessoa natural que se disponha a se tornar empresário com o objetivo de auferir lucros encontra um ambiente sujeito a algumas intempéries: alta taxa de juros, carga tributária elevada, grande poder econômico dos fornecedores, taxa de câmbio desfavorável, infraestrutura estatal inadequada, consumidores exigentes, inflexibilidade da legislação trabalhista, privilégios da Fazenda Pública, pequeno mercado de consumo e competição acirrada dos empresários.
A responsabilidade ilimitada torna todo o patrimônio da pessoa natural que se torna empresário afetado para cobrir obrigações relacionadas à atividade empresarial, reduzindo a sua disposição a correr riscos, o que o leva a obter menos empréstimos, contratar menos empregados, realizar menos investimentos e a exigir maior remuneração para o seu capital, encarecendo o produto adquirido pelo consumidor. Atividades de alto risco exigem maior remuneração.
Em muitos casos, a pessoa natural simplesmente deixa de exercer uma atividade econômica organizada em virtude dos elevados custos de transação. Dados da junta comercial do Rio de Janeiro indicam que apenas cerca de dez mil pessoas se inscreverem no registro de empresário no Estado do Rio de Janeiro no ano de 2010, que conta com uma população de cerca de 13 milhões de pessoas.
A responsabilidade ilimitada leva a pessoa natural a se juntar a outro sócio que não tem interesse na empresa, formando uma sociedade limitada originariamente fictícia, apenas para afastar o risco da afetação do patrimônio pessoal do empresário. Esse comportamento permite maior segurança e sobrevivência no mercado, mas implica maiores custos, como, por exemplo, o preço pago na junta comercial para o registro da empresa. O preço do serviço de registro inicial de empresário na junta comercial do Rio de Janeiro, por exemplo, é de R$ 182,00 (cento e oitenta e dois reais), mas ele é elevado para R$ 300,00 (trezentos reais) no caso de registro inicial de sociedade limitada.
Os custos decorrentes da responsabilidade ilimitada afetam a competitividade internacional do empresário brasileiro em um ambiente de concorrência global, se comparada a frágil instituição da responsabilidade ilimitada do empresário com a legislação de outros países.
Quanto à alegação de menor proteção dos credores da empresa, que ficariam sem poder atingir os bens particulares da pessoa natural constitutiva da empresa, cumpre destacar que é verdade que a separação patrimonial não permitirá que o patrimônio particular da pessoa natural seja atingido por obrigações decorrentes do exercício empresarial, mas em contrapartida a limitação privilegiará esses mesmos credores contra os credores particulares da pessoa natural. Uma limitação contrabalança a outra.
[15a] V.g. “relativo a ou próprio para apenas um ser, objeto ou situação” (Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa)
[16] Frederico Augusto Monte Simionato, Tratado de Direito Societário, Vol. I - Forense, vol. 1, 1ª ed, 2009
[17]James Eduardo Oliveira, Código Civil Anotado e Comentado, Ed. Forense, 2ª ed., 2010:
Transformação do registro da sociedade para empresário individual: A falta de pluralidade de sócios, desde que não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias, representa causa de dissolução da sociedade empresarial. Não, todavia, quando o sócio remanescente opta pela convolação do modelo empresarial comprometido pela falta de pluralidade de sócios para empresário individual, na esteira do que preceitua o parágrafo único do art. 1.033 do Código Civil. A transformação opera-se mediante requerimento junto ao Registro Público de Empresas Mercantis contendo os requisitos elencados nos arts. 1.113 a 1.115 da Lei Civil, com destaque para a observância dos moldes jurídicos inerentes ao novo perfil empresarial e para a preservação incondicional do direito dos credores da sociedade transformada.”

(*) Bacharel em Direito e  Consultor em recursos para Tribunais Superiores e execuções. Curitiba-PR. Editor do site Direito Integral, de onde foi extraído.