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30 novembro 2009

FIM DE EXPEDIENTE

Na sexta-feira (27/11), à tarde, o STJ expediu a seguinte nota à imprensa, que tomou conta do noticiário nacional:

27/11/2009 - 15h51
Nota à imprensa: STJ autoriza busca e apreensão no Distrito Federal

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou operação de busca e apreensão pela Polícia Federal em residência, local de trabalho ou sede de 16 pessoas físicas e jurídicas, com o objetivo de coletar provas sobre suposta distribuição de recursos ilegais à “base aliada” do governo do Distrito Federal. A determinação se deu em inquérito policial que apura a possível participação de autoridades com foro privilegiado no STJ nessas atividades.
As buscas e apreensões decorrentes da autorização foram acompanhadas por procuradores do Ministério Público Federal nos 24 locais indicados, sendo 21 no Distrito Federal, um em Goiânia (GO) e dois em Belo Horizonte (MG). A medida visa descobrir provas e indícios de eventual vínculo mantido entre os investigados e a suposta participação de cada um em atos ilícitos.
As investigações sobre suposto repasse de recursos de origem ilícita foram reforçadas pela delação de um ex-secretário de Estado do Distrito Federal, que aceitou que fosse instalado em suas roupas equipamentos de escuta ambiental. Em função disso, foi aberta a ele a participação em programa de proteção de testemunhas da Polícia Federal. Concluída a operação, o relator retirou o segredo de justiça imposto ao inquérito.

 Embora produzida pelo Guto Cassiano por ocasião da escolha da cidade do Rio de Janeiro como sede dos jogos olímpicos de 2016, surpreendentemente pode ser representativa do recente caso de suposto esquema de corrupção - já apelidado de "mensalinho" - no governo do Distrito Federal.

A corrupção no Brasil parece não ter limites. A disputa política parece ser para ver quem rouba mais...


STJ EDITA MAIS CINCO NOVAS SÚMULAS

O Superior Tribunal de Justiça publicou na última sexta-feira mais cinco novas súmulas abordando vários temas, como segue abaixo:


Súmula 410
A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Fundamentos:
A nova súmula tem como referência o artigo 632 do Código de Processo Civil que diz que “quando o objeto da execução for obrigação de fazer, o devedor será citado para satisfazê-la no prazo que o juiz lhe assinar, se outro não estiver determinado no título executivo”.

Precedentes: Resp 1035766; Resp 629346; Ag 1046050; Resp 1067903; Resp 774196; Resp 993209

Súmula de número 411
É devida a correção monetária ao creditamento do IPI quando há oposição ao seu aproveitamento decorrente de resistência ilegítima do Fisco.

Fundamentos:
Reiterados julgamento embasam o novo verbete. Em um desses [REsp 490660], o ministro João Otavio de Noronha, quando integrava a Seção, afirmou que “a correção monetária de créditos escriturais de IPI é devida nas hipóteses em que o seu não-aproveitamento pelo contribuinte em tempo oportuno tenha ocorrido em razão da demora motivada por ato administrativo ou normativo do Fisco considerado ilegítimo”.

Precedentes: Processos: EREsp 465538, REsp 576857, REsp 674542, REsp 753770, REsp 468926, REsp 860907 e REsp 509648.

SÚMULA 412:
A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil.

Fundamentos:
O ministro Teori Albino Zavascki, relator do recurso, distinguiu: o caso é de pretensão de restituir tarifa de serviço paga indevidamente, não de reparação de danos causados por defeitos na prestação de serviços. Não há, portanto, como aplicar o CDC. Como também não pode ser aplicado o que estabelece o Código Tributário Nacional (CTN), para restituição de créditos tributários, visto que a tarifa (ou preço) não tem natureza tributária. Vários precedentes da Seção firmaram que, não havendo norma específica a reger a hipótese, aplica-se o prazo prescricional estabelecido pela regra geral do Código Civil, ou seja: de 20 anos, previsto no artigo 177 do Código Civil de 1916 ou de 10 anos, previsto no artigo 205 do Código Civil de 2002

Precedentes: Processos: EREsp 690609; REsp 1113403; REsp 149654

SÚMULA 413
O farmacêutico pode acumular a responsabilidade técnica por uma farmácia e uma drogaria ou por duas drogarias.

Fundamentos:
Para os ministros, o artigo 20 da Lei n. 5.991/73 – que dispõe sobre o Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e Correlatos – não proíbe a cumulação da direção técnica desses estabelecimentos por um mesmo farmacêutico. Os ministros também ressaltaram que, como se trata de norma que restringe direito, a interpretação do dispositivo deve ser restritiva, e não ampliativa

Precedentes: REsp 1112884; REsp 863882; REsp 968778; REsp 943029; REsp 1008960

Súmula n. 414
A citação por edital na execução fiscal é cabível quando frustradas as demais modalidades.

Fundamentos:
A nova súmula atende entendimento confirmado durante o julgamento de um recurso submetido ao rito da Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672/2008), no qual o relator foi o ministro Teori Albino Zavascki. Em seu voto, acompanhado por unanimidade, ele destacou que, somente quando não houver sucesso na via postal e na localização do executado por oficial de Justiça, fica o credor autorizado a utilizar a citação por edital, conforme dispõe o artigo 8º, inciso III, da Lei de Execução Fiscal.

Precedentes: Processos: : EREsp 417888; EREsp 756911; REsp 1103050; REsp 837050; REsp 357550; REsp 927999; REsp 781933

CNJ MODIFICA ENUNCIADO SOBRE NEPOTISMO

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu na sessão plenária, realizada na última terça-feira (24/11), revogar parte do Enunciado Administrativo I, que trata de nepotismo. Com a revogação da alínea "i", o Conselho dá maior abrangência ao conceito de nepotismo no Poder Judiciário e acaba com a necessidade da existência de subordinação hierárquica entre o servidor ocupante do cargo em comissão ou função comissionada e o servidor efetivo no exercício de cargo de chefia, direção e assessoramento. Dessa forma, ainda que não haja subordinação entre os parentes, cônjuges e outros, a situação será considerada como prática de nepotismo.

A decisão foi tomada pelos conselheiros, ao analisarem uma consulta - recebida como Procedimento de Controle Administrativo - de um ocupante de cargo comissionado no Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI), Francisco das Chagas Reis Neto. O pedido foi julgado improcedente pelo plenário do Conselho que determinou ao TJPI a exoneração do servidor em no máximo 30 dias. Francisco Neto foi nomeado em junho de 2008 para o cargo em comissão de oficial assistente na Corregedoria Geral de Justiça do mesmo tribunal, o TJPI, onde sua mãe, Kátia Celeste Mota Reis, é servidora efetiva desde 1987 e exerce, desde janeiro de 2004, cargo de escrivã judicial do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Teresina.

De acordo com o relator da consulta (CON 200910000024828), conselheiro Jorge Hélio Chaves de Oliveira, o enunciado reduzia o alcance da Súmula Vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Resolução 7 do CNJ, que disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores com funções no Poder Judiciário. A decisão, de exonerar o servidor em comissão do TJPI e de revogar a alínea que exigia a subordinação hierárquica para a caracterização do nepotismo, servirá, a partir de agora, de modelo para outros casos que existem no Poder Judiciário.

Investigação - O plenário do CNJ decidiu, também, abrir um novo procedimento de controle administrativo para investigar a situação de dezenas de outros servidores mencionados pelo Tribunal de Justiça do Piauí.

Informações do CNJ.

No mesmo sentido tem-se a seguinte decisão do STF:

Ministro Eros Grau cassa decisão que trata de nepotismo no TJ-RJ

O ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), acolhendo Reclamação (RCL 5742) da Procuradoria Geral da República, cassou a decisão tomada no mandado de segurança que permitiu a manutenção da esposa de um desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) no cargo de assessora de órgão julgador, junto ao gabinete do marido, com base em interpretação da Resolução nº 07/2005 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sobre nepotismo.

Mandado de segurança impetrado no próprio TJ-RJ permitiu a manutenção da assessora no gabinete do marido desembargador, sob o fundamento de que a Resolução do CNJ não alcançaria os atos de nomeação feitos há mais de cinco anos antes de sua publicação. A Resolução foi publicada no dia 18 de outubro de 2005 e dispõe em seu artigo 1º que “é vedada a prática e nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados”. A nomeação da assessora para o cargo comissionado foi publicada no Diário Oficial do dia 20 de junho de 2000.

O ministro Eros Grau afirmou que da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 12, constou expressamente a determinação de “obstar que juízes e tribunais venham a proferir decisões que impeçam ou afastem a aplicabilidade da Resolução nº 7/2005 do CNJ”. Em sua decisão, o ministro do STF salienta que a Resolução do CNJ não se limitou a vedar atos de nomeação de parentes, isso porque a “imoralidade administrativa” não se restringe ao ato de nomeação, mas ao exercício do cargo público que, segundo os critérios especificados na resolução, caracterize a prática de nepotismo.

“Essa prática não se confunde com o ato administrativo que lhe deu origem. Ambos estão expressamente abrangidos na vedação contida na Resolução nº 7 do CNJ, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADC 12. A autoridade reclamada efetivamente afastou a aplicabilidade da Resolução nº 7 do CNJ ao decidir pela manutenção de esposa de desembargador em cargo de assessora junto ao gabinete desse magistrado. Julgo procedente a reclamação para cassar a decisão tomada nos autos do Mandado de Segurança nº 2006.004.00244, que determinou a manutenção da interessada no cargo de assessora de órgão julgador”, concluiu Eros Grau.

Informações do STF

CNJ MANDA REDUZIR REMUNERAÇÃO DE DESEMBARGADOR DO TJ-RN

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) que exclua da remuneração mensal feita ao desembargador aposentado Pedro Januário de Siqueira o valor que excede o teto constitucional, ou seja, o estipulado para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão foi tomada por maioria de votos no julgamento do Procedimento de Controle Administrativo (PCA 200910000026606), aberto de ofício pelo CNJ para apuração de irregularidades no pagamento pelo TJRN de remunerações acima do teto estabelecido pela Constituição. Segundo a presidência do TJRN, o pagamento, acima do teto e contrário às regras da Resolução 13 do CNJ, estava sendo feito em cumprimento a um mandado de segurança impetrado pelo desembargador Pedro Januário de Siqueira. A Resolução 13, de 21 de março de 2006, dispõe sobre a aplicação do teto remuneratório e do subsídio mensal dos membros da magistratura.

Em seu voto, o relator , conselheiro Walter Nunes da Silva Júnior, argumenta que os mandados de segurança para terem validade contra a decisão do CNJ - de limitar as remunerações recebidas por servidores do judiciário - deveriam ser impetrados perante o Supremo Tribunal Federal. Portanto, no seu entendimento, o mandado de segurança concedido pela Justiça Estadual do Rio Grande do Norte não teria efeito sobre a decisão do CNJ de limitar a remuneração ao teto constitucional.

Além de vetarem o pagamento acima do teto estabelecido pela Constituição Federal de 1988, os conselheiros decidiram abrir uma reclamação disciplinar contra o magistrado do TJRN que concedeu mandado de segurança ao desembargador garantindo o pagamento de seus subsídios, contrariando resolução do CNJ. A sugestão, acatada pela maioria, foi do conselheiro Felipe Locke Cavalcanti.

Fonte: CNJ

CONTEÚDO JURÍDICO DO MEIO DE PROVA MORALMENTE LEGÍTIMO-1/5


Parte 1/5


CONTEÚDO JURÍDICO DO MEIO DE PROVA MORALMENTE LEGÍTIMO PREVISTO NO ARTIGO 332 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL:  O USO DO SÊMEN COLETADO NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA


Andrea Carla Veras Lins
Advogada da União. Pós-graduanda em processo civil pela Faculdade de Negócios de Sergipe, integrante da comissão de advocacia pública da Ordem dos Advogados do Brasil/SE.


RESUMO: Será discutido acerca da utilização do sêmen doado em processos de reprodução assistida na identificação do patrimônio genético, como meio de prova moralmente legítimo, de acordo com o artigo 332 do Código de Processo Civil e verificada a possível confrontação de direitos de todos os envolvidos e critérios de solução.



Palavras-Chave: Reprodução Assistida. Meio de Prova Moralmente Legítimo. Direitos Em Colisão. Necessidade De Normatização.


Sumário: Introdução; 1 Meio de Prova Moralmente Legítimo Previsto no Artigo 332 do CPC. Alcance; 2 Direito à Identidade Genética como Expressão do Direito da Personalidade; 3 A Utilização do Sêmen Colhido na Reprodução Assistida e o Direito ao Anonimato do Doador. Colisão de Direitos e Critérios de Solução para o Conflito; 4 Conclusão; 5 Referências.


INTRODUÇÃO


O tema a ser tratado pretende abordar o alcance da expressão meio de prova oralmente legítimo, constante do artigo 332 do Código de Processo Civil, sob a ótica da utilização do sêmen do doador na reprodução assistida, quando envolvendo situações de risco de morte ou no interesse da criança gerada.


Por outro lado, indaga-se quais seriam os critérios diante da colisão de direitos, pois de um lado está o direito ao nome e ao patrimônio genético da criança, do outro o direito ao anonimato do doador e a intimidade deste. Ainda há que se considerar a livre iniciativa e autonomia das clinicas de reprodução assistida e a vontade dos pais biológicos para que não reste afetada a paternidade sócioafetiva.


Quanto à tratativa jurídica e legal da matéria, percebe-se que outros países já cuidam da questão, restando ao Brasil a regulamentação normativa, ressaltando a existência de diversos projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional acerca da reprodução assistida.


O tema ganha especial relevo nos dias presentes diante de uma sociedade que exige, principalmente, da mulher, a realização profissional em primeiro lugar, o que faz com que seja postergada a maternidade.


Outrossim, há um verdadeiro bombardeio de informações através dos meios de comunicação, em especial a televisão, e através da internet, que estimulam idéias antes nunca encaradas como normais, como a figura da mãe solteira.


Assim, o trabalho busca levantar algumas possíveis causas e conseqüências advindas da utilização, em sede de processo judicial, do sêmen doado às clínicas de reprodução assistida, como meio de prova moralmente legítimo, não obstante ainda não haja disciplina específica no ordenamento brasileiro.


Dessa forma, será abordado o alcance da expressão contida no artigo 332 do CPC, seguindo-se da tratativa acerca do direito ao patrimônio genético identificado, como expressão do direito da personalidade e a reflexão acerca do confronto dos direitos dos envolvidos, apontando-se quais poderiam ser os critérios para solucionar as questões práticas surgidas.


Extraído da Revista Virtual da AGU, Ano IX nº 90, julho de 2009

AGENDA DO PRESIDENTE DO STF



Agenda do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, para esta segunda-feira (30/11)




15h - Recebe o diretor de jornalismo da TV Record Brasilia, João Henrique Beltrão.
Local: Gabinete da Presidência


15h15 - Recebe o diretor-geral do Portal IG, Eduardo Oinegue.
Local: Gabinete da Presidência

27 novembro 2009

A SUPREMA LAMBANÇA 2


Presidente Lula e presidente da Contag-Foto Ricardo Stuckert.G1

O blog já havia publicado no post anterior sobre a insólita decisão do STF a respeito da extradição do terrorista italiano Cesare Battisti, quando declinou indevidamente de sua autoridade, transferindo ao alvedrio do presidente da República o cumprimento ou não de sua decisão, algo nunca visto antes na história deste país. 

O presidente Lula que ostenta uma popularidade indecifrável já se deu ao luxo de invocar o santo nome de Deus para justificar suas alianças espúrias, segundo ele apenas para que esse povo ignaro possa entender sua mensagem. Entretanto, parece que o STF acreditou mesmo que ele ostenta poder absoluto ao deferir-lhe o direito de cumprir se quiser e como quiser a decisão da Suprema Corte e acabou por elevá-lo à condição de verdadeira divindindade: o divino e sagrado Lula, imperador do proletariado brasileiro. 

O blog aguarda serenamente quem vai redigir esse acórdão e qual será o seu teor. Conforme seja redigido o acórdão talvez o governo da Itália deva impetrar recurso no Vaticano perante o Papa ou quem sabe diretamente a Deus Todo Poderoso, se bem que quanto a ambos o atual premier Silvio Berlusconi por suas conhecidas peripécias não tenha muito como obter sucesso... 

É o que se extrai do primoroso, lapidar e magistral artigo abaixo, da lavra do eminente ministro aposentado Carlos Velloso.   

A extradição e seu controle pelo STF

CARLOS VELLOSO
Professor emérito da UnB (Universidade de Brasília) e da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), foi presidente do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. É autor do livro "Temas de Direito Público".

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da extradição do italiano Cesare Battisti, pedida com base no tratado existente entre o Brasil e a Itália, decidiu que a decisão do ministro da Justiça concessiva do refúgio foi proferida contra a lei brasileira e a convenção de Genebra de 1951, além de usurpar competência do STF.
É que a convenção de Genebra estabelece que não será concedido refúgio a quem haja praticado crime de direito comum. E a lei brasileira — lei 9.474, de 1997, artigo 3º, inciso III — veda a concessão de refúgio aos que tenham cometido crime hediondo. O Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão técnico do Ministério da Justiça, indeferiu o pedido de refúgio formulado por Battisti, porque ele fora condenado pela Justiça italiana pela prática de quatro homicídios qualificados que, pela lei penal brasileira, são crimes hediondos.
Convém esclarecer que as sentenças condenatórias foram confirmadas pela Corte de Cassação italiana. A Justiça francesa, em atenção ao pedido de extradição formulado pela Itália, deferiu o pedido nas mais altas instâncias, o Tribunal de Apelação de Paris, a Corte de Cassação e o Conselho de Estado. Battisti recorreu à Corte Europeia de Direitos Humanos, que negou provimento ao recurso.
Havia, pois, desfavoráveis a Battisti, sete decisões: duas da Justiça italiana, três da Justiça francesa, a decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos e a decisão brasileira do Conare. O decidido pelo Supremo Tribunal Federal não teve, de conseguinte, sabor de novidade.
O tribunal, em seguida, deferiu a extradição, pelo voto dos ministros Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie, Carlos Britto e Gilmar Mendes. Até aí, tudo bem. A corte simplesmente exercera a competência que lhe é conferida pela Constituição. A surpresa veio depois.
O STF, por 5 votos a 4, decidiu que, mesmo tendo sido deferida a extradição, caberia ao presidente da República a palavra final. É dizer, o Supremo autolimitou-se, o que é inédito, porque nunca ocorrera a hipótese de o presidente da República descumprir decisão concessiva de extradição.
E essa hipótese nunca ocorreu porque nem a lei nem a Constituição isso autoriza. Em Estado de Direito, tudo se faz de conformidade com a lei. A lei brasileira, lei 6.815/80, o Estatuto do Estrangeiro, artigos 76 a 94, cuida minuciosamente do tema.
Concedida a extradição, será o fato comunicado pelo Ministério das Relações Exteriores à missão diplomática do Estado requerente, que, no prazo de 60 dias, deverá retirar o extraditando do território nacional (artigo 86). Se não o fizer, o extraditando será posto em liberdade, sem prejuízo da expulsão, se o motivo da extradição o recomendar (artigo 87).
É que o Brasil não pode transformar-se em valhacouto de criminosos. Se o extraditando estiver sendo processado ou tiver sido condenado no Brasil, a extradição será executada depois da conclusão da ação penal ou do cumprimento da pena, ressalvado o disposto no artigo 67 (artigo 89). É dizer, ele poderá ser expulso, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação (artigo 67).
Todavia, o governo poderá entregar o extraditando ainda que responda a processo ou esteja condenado por contravenção (artigo 90; extradições 947 -Paraguai- e 859 -Uruguai).
Seguem-se os trâmites finais da extradição (artigo 91). Depois de entregue ao Estado estrangeiro, se ele escapar à ação da Justiça e homiziar-se no Brasil, será detido, mediante pedido feito por via diplomática, e de novo entregue, sem outras formalidades. Não há na lei, portanto, uma só palavra que autorize o presidente da República a deixar de cumprir a decisão concessiva da extradição, decisão que encontra base na Constituição (artigo 102, I, g), na lei (lei 6.815/80, artigos 76 a 94) e no Regimento Interno do STF (artigos 207 a 214).
O que há é que a entrega do extraditando poderá ser adiada se estiver ele acometido de moléstia grave comprovada por laudo médico (artigo 89, parágrafo único, da lei 6.815/80). Não há nos dispositivos mencionados, constitucionais ou infraconstitucionais, vale repetir, nada que autorize o presidente da República a deixar de cumprir o decidido pelo STF. A menos que seja ressuscitado o que o constitucionalismo sepultou há mais de 200 anos: o direito divino dos reis e dos imperadores, que podiam decidir contra a lei.
Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo desta quarta-feira (25/11).

Extraído da revista eletrônica Consultor Jurídico

ESPÍRITO SANTO - DIVERGÊNCIA DE MILITARES COM SECRETÁRIO DE SEGURANÇA GANHA AS RUAS


Foto TVGazeta


Desde o lançamento do livro "Espírito Santo" estabeleceu-se um conflito entre o oficialato da PMES com o Secretário de Segurança do Estado. O denominado "movimento dos coronéis" é um protesto contra o livro, que tem como co-autor o secretário Rodney Miranda. O livro conta a história do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, em 2003. Para o grupo dos coronéis, a publicação ofendeu a imagem da PM, ao relacionar a instituição com o crime.

Depois de várias manifestações nos órgãos locais de imprensa, o tema agora ganha as ruas literalmente, como mostra a foto acima, com o apoio de várias associações de policiais.

Enquanto isso, crescem assustadoramente os índices de violência no Estado. Como sempre a população é acaba pagando o pato.

AS ORIGENS DA CONDENAÇÃO DO PROCESSO CIVIL ROMANO


Parte 4/4-Final


Guilherme Carneiro Monteiro Nitschke
Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogado associado de TozziniFreire Advogados.



5 – Condemnatio e litis contestatio


A condemnatio formular foi fruto de uma evolução paulatina da damnatio arcaica, de maneira que alguns de seus aspectos originais se mantiveram e outros se adaptaram e se moldaram com o passar dos séculos e com o desenvolvimento da civilização romana. É o que se viu até agora, sobretudo para aquilo que contribui à análise do aspecto interno da condenação do processo per formulas. Tomando-se por pressuposto as conclusões dos pontos anteriores, algo mais pode ser dito sobre a feição da condemnatio, e isso a partir do estudo de sua relação com a litis contestatio, conforme larga interpretação da romanística, ainda que ao fim e ao cabo vá se discordar do posicionamento adotado pela maioria.


Os estudiosos costumam extrair das Institutiones de Gaio a índole obrigacional da condemnatio, onde ela recebe menção enquanto relacionada à solenidade da litis contestatio (III, 180): Tollitur adhuc obligatio litis contestatione, si modo legitimo iudicio fuerit actum. Nam tunc obligatio quidem principalis dissolvitur, incipit aiutem teneri réus litis contestatione; sed si condemnatus sit, sublata litis contestatione incipit ex causa iudicat teneri. Et hoc est quod apud veteres scriptum est, ante litem contestatam dare debitore oportere, post litem contestatam condemnari oportere, post condemnationem iudicatum facere oportere ("a extinção de uma obrigação é também efetuada pela litis contestatio, ao menos quando estatuído um iudicium legitimum. Então, a obrigação original é dissolvida, e uma nova obrigação é imposta ao réu, por causa da litis contestatio. Mas se ele é condenado, a obrigação exsurgente da litis contestatio é desconsiderada, e uma nova obrigação surge do julgamento. Como diziam os antigos juristas, antes da contestação da lide o devedor deve dar, depois da contestação da lide deve ser condenado, e depois da condenação deve cumprir o julgado").


Antes que se examine a relação havida entre os institutos, há que se dar breves pinceladas sobre o conceito de litis contestatio. A doutrina mais tradicional, com assoreamento básico nas obras de Friedrich Keller e Moriz Wlassak, enxergava-a como espécie de contrato, firmado por autor e réu, e de necessária celebração para que o processo apud iudicem pudesse ser instaurado. Como bem resume Giovanni Pugliese – um aderente da tese clássica –, a litis contestatio resultava de um acordo entre as partes, que consistia na proposta da fórmula por parte do autor e na sua aceitação por parte do réu 95. Segundo ele, o instituto estava imantado de natureza contratual privatística por conta de três fatores: seu caráter negocial, a natureza arbitral do iudex e a feição privada de alguns outros atos que a ele sucediam 96.


Esse posicionamento, porém, foi também rechaçado ao longo do último século. Uma das vozes mais autorizadas a lhe fazerem oposição saiu de Fritz Schulz, ao apontar ser equivocado raciocinar o processo e o direito romano de acordo com institutos hodiernos (id est ver a litis contestatio como se um contractus fosse) 97. Também é erro imantar o iudex de um caráter arbitral que ele não possuía. Segundo Schulz, "o iudex pode ser equiparado a um árbitro, mas a um árbitro especial, isto é, um árbitro autorizado pelo magistrado e, por conseguinte, um delegado deste" 98. Para complemento, basta lembrar que os iudices romanos eram prováveis componentes do conselho do rei e, como continuação histórica, do próprio Senado de Roma.


Quanto aos outros dois fatores que Pugliese aponta como sendo evidências da natureza contratual-privatística da litis contestatio (o caráter negocial e a feição privada de atos sucessivos), algo mais pode ser dito. É certo que o procedimento apud iudicem só podia ser instaurado se ambas as partes estivessem presentes, mas isso não quer dizer que inexistissem maneiras de fazer com que a marcha processual prosseguisse. O indefensus das actiones in personam (aquele que se negava a concluir a litis contestatio) podia ser conduzido à força (ductio) à casa do autor para daí decidir se aceitava a fórmula ou se trabalhava para pagar a dívida quantificada no decreto do magistrado. A partir do século II a.C., a ductio foi substituída pela missio in bona, atribuindo-se a posse dos bens do indefensus ao autor e procedendo-se via imediata execução (actio iudicati) 99. Noutras palavras, aquele que não aderia à fórmula e não participava da litis contestatio estava admitindo que as alegações do autor eram verdadeiras, fato que dispensava a instauração do procedimento apud iudicem e ensejava a execução. Não se pode falar, portanto, que a litis contestatio era um contrato, visto que a não aderência do requerido à fórmula trazia sanções: o reconhecimento das alegações autorais, a supressão do procedimento cognitório e a imediata execução via actio iudicati. Ademais, não é correto imputar como inteiramente privadas as atuações que sucediam à litis contestatio. No período formular, toda conduta das partes era regulamentada pela autoridade investida de imperium, através de leis ou de ordens suas.


Na verdade, a litis contestatio pouco ou nada possuía de contratual. Era apenas um momento de transição do procedimento in iure ao procedimento apud iudicem 100. Certamente abarcava desafios mútuos e assinalava que ambos estavam dispostos a litigar; "mas apenas em sentido impróprio se poderia dizer que ambos estavam ‘de acordo’ sobre a constituição da lide; seu agir era um agir conservatório, necessário para que fosse alcançado determinado fim: qual seja, o acertamento da demanda" 101. Ainda que no período arcaico ela estivesse revestida de maior solenidade (já que então era ato de caráter tipicamente religioso, como demonstram certas passagens da obra De verborum significatione, escrita por Festo), a litis contestatio jamais teve feições contratuais. Era simplesmente a instauração do contraditório através da exposição das pretensões inconciliáveis (litis), com a invocação de testemunho (cum testatio) para incutir solenidade ao ato 102. Secularizado o direito de Roma e maximizada a escritura, prescindível tornou-se a presença das testemunhas, e a litis contestatio, então, perdurou como simples momento de transição entre procedimentos in iure e apud iudicem 103.


A visão tradicional de ter-se a litis contestatio como um contrato também surtiu conseqüências no tangente ao estudo de seus efeitos, e aqui já se adentra no problema central deste capítulo: a análise das relações havidas com a condemnatio, tendo como ponto de partida o trecho gaiano citado linhas acima (Institutiones, III, 180). Dentre outros menos importantes, os principais efeitos da litis contestatio que a doutrina tradicional costuma apontar são três: o conservativo, o preclusivo e o extintivo-novatório. Os dois primeiros receberão abordagem resumida, pois é o terceiro que porta maior relevância e relação com a condemnatio.


Em primeiro plano, a litis contestatio assinalava que o conflito estava sendo colocado à apreciação de um terceiro imparcial a cuja decisão ambas as partes obrigatoriamente submeter-se-iam. Diz-se que tal efeito era ‘conservativo’, já que determinava a dedução da controvérsia ao juízo (rem in iudicium deducere), vetava quaisquer modificações que se quisesse efetuar na fórmula e fazia da discussão o objeto de uma decisão 104. Noutros termos, a litis contestatio assinalava que as partes aceitavam os termos da fórmula, a indicação do juiz e a instauração do procedimento conseguinte.


Estando a res in iudicium deducta, o objeto do litígio se tornava pendente de decisão do iudex, que era incorporado como parte na relação processual, de modo, inclusive, a fazer sua a lide (litem sua facere) nos casos de patente erro e/ou injustiça. Mas a influência de um terceiro imparcial só poderia se dar uma única vez sobre um mesmo conflito; a causa actionis, a partir da celebração da litis contestatio, não poderia ser repetida, e a esse efeito se atribuiu o nome de ‘preclusivo’. É o que se conhece pelos brocardos latinos bis de eadem re agere non licet ou apenas ne bis in idem. Em suma, só se podia litigar uma única vez por uma mesma causa.


Enfim, o terceiro efeito que a doutrina tradicional costuma imputar à litis contestatio é o chamado ‘extintivo-novatório’, e baseia-se principalmente na passagem de Gaio em que uma hipotética linha de obrigações está descrita. Era entendimento do jurista que a litiscontestação tinha a capacidade de extinguir uma obligatio anterior e determinar a formação de uma nova (a condemnari oportere, i.e. a obrigação de ser condenado), que só seria substituída com o advento da sentença, formadora de uma outra obrigação (a iudicatum facere oportere, i.e. o dever de cumprir o julgado). Relembre-se o trecho gaiano que melhor resume a idéia (Institutiones, III, 180): Et hoc est quod apud veteres scriptum est, ante litem contestatam dare debitore oportere, post litem contestatam condemnari oportere, post condemnationem iudicatum facere oportere ("como diziam os antigos juristas, antes da contestação da lide o devedor deve dar, depois da contestação da lide deve ser condenado, e depois da condenação deve cumprir o julgado"). Em suma, a linha obrigacional descrita por Gaio possui dois momentos extintivos-novatórios: (i) o momento em que a obrigação anterior é extinta e substituída pelo dever de condenar; (ii) e o momento em que o dever de condenar extingue-se e dá lugar à sentença de condemnatio, gerando o conseguinte dever de que seja cumprida.


Como tantas vezes já foi dito, a doutrina tradicional firmou pilares nessa passagem para explicar boa parte do processo civil romano. O efeito extintivo-novatório da litis contestatio é largamente explicado através da seguinte linha: obligatio  actio  litis contestatio  condemnatio. Quem assim procede é um natural seguidor da noção de litiscontestação enquanto contrato, já que, para que fosse operada uma novação de obrigações, fazia-se necessária a presença da figura privada de uma avença. Por isso que Friedrich Keller, um dos primeiros defensores desse entendimento, afirma, sem receios, em uma de suas obras: "o fundamento da actio era uma civilis obligatio" 105. Desvelado também está o fundamento da idéia de actio, que ao longo de todo o século XIX e em boa parte do século XX prendeu-se ao imanentismo de uma obrigação anterior, bem casada à definição que lhe deu Celso (D. 44.7.51) e que já recebeu tantas críticas da romanística mais desenvolvida 106. Como se vê, essas noções de actio e de litis contestatio casam com perfeição, já que a condemnari oportere e a iudicium facere oportere nada mais eram do que um ‘perdurar’ da primitiva civilis obligatio dentro do processo, extinta por conta da instauração do litígio mas substituída por novas modalidades obrigacionais.


Emilio Betti talvez tenha sido um dos representantes mais eminentes desse entendimento, ainda que com algumas adaptações. Segundo o jurista italiano, a litis contestatio criava no lugar da primitiva obligatio (deduzida em juízo) não uma nova e imediata obrigação de direito substancial, mas uma sujeição processual de caráter hipotético que futuramente poderia engendrar uma possível segunda obrigação de direito substancial, nascida da sentença condenatória. Noutras palavras, "uma responsabilidade inerente à obligatio principalis é absorvida na relação processual. Porém, é verdade que em tal relação vive, como conseqüência disso, o gérmen de uma obligatio de segundo grau. Mas tal gérmen chegará à maturação somente com a condenação" 107.


Essa disseminada doutrina, que tinha a litis contestatio como se fosse um contrato e que lhe incutia efeitos extintivos-novatórios, pode ser refutada nos dias atuais com alguma tranqüilidade. Comece-se pela própria natureza do instituto, como já se viu linhas acima. Ele nada tinha de contratual, mormente por faltar às partes a liberdade de não se submeterem a um processo caso assim não desejassem. Deixar de participar da litiscontestação (e tornar-se, assim, indefensus) implicava prescindir-se de um processo cognitório e partir-se de imediato à execução pela actio iudicati. Noutras palavras, a liberdade esbarrava na existência de uma verdadeira sanção à não prática do ato. Ademais, comparar a litis contestatio a um contractus já é um equívoco de per si, como demonstrou Fritz Schulz 108: não se pode interpretar institutos de outrora sob o prisma do direito atual; a analogia aqui é sempre perniciosa.


A litiscontestação, ao revés, era mero momento de transição do procedimento in iure ao procedimento apud iudicem, e só esteve revestida de maior importância em tempos arcaicos porque consistia em atos de natureza religiosa (recorde-se: cum testatio, com a presença de testemunhas), portanto sem qualquer índole privatística-contratual. A razão de sua celebração – como se viu linhas acima – era instaurar o contraditório: por meio dela, expunham-se as teses conflitantes (litis) e preparava-se, dessa maneira, o procedimento guiado pelo iudex. Já se vê que não era sua finalidade extinguir ou criar quaisquer obrigações, mas apenas inaugurar o julgamento da causa.


Poder-se-ia cogitar que, independentemente de sua natureza, a litis contestatio tivesse o dom de gerar efeitos extintivos-novatórios; mas aí a hipótese esbarraria noutras considerações críticas. Apanhe-se, em primeiro lugar, a passagem de Gaio que tantas vezes já foi mencionada (Institutiones, III, 180). Do que está a tratar o jurista nesse breve fragmento? De obrigações. Aliás, boa parte do Livro III de sua obra tem como temática as obrigações (ao lado das sucessões): obrigações contratuais, fontes das obrigações, extinção das obrigações e obrigações ex delicto. São temas de direito material; o processo só passa a ser abordado no Livro IV, e isso de maneira intencional (ou seja, o jurista deliberadamente procurou não misturar os dois campos). Mais que isso: ao mencionar a litis contestatio (III, 180), Gaio a observa enquanto modo de extinção das obrigações ao lado de outras modalidades – como, por exemplo, o simples pagamento (III, 168), a accepilatio (III, 169-172) e a novação (III, 176-179). Ou seja, ele não estava descrevendo a natureza da litis contestatio ou mencionando que efeitos ela gerava, mas expondo uma das formas de extinção das obrigações que ele considerava como existentes no direito de sua época.


Sua análise, portanto, é toda feita no plano do direito material, a partir da visão de quem é devedor: há uma obligatio que, com o processo, acaba substituída por uma condemnatio. Tanto que no começo, antes da contestação da lide, o devedor deve adimplir a obrigação (pois esta existe independentemente de reconhecimento judicial); depois da litis contestatio, ele está obrigado a acatar a futura sentença de condenação (ou seja, é certo que ele será condenado, pois é devedor); e, enfim, por força da condenação, o sujeito deverá prestar a obrigação que lhe incumbe. Vê-se bem que o devedor nunca deixa de ser devedor, mesmo com a instauração do processo. E isso porque, nessa parte de sua obra, Gaio não estava explicando como funcionava o processo, mas apenas descrevendo de que maneira uma obrigação se extinguia pelo cumprimento forçado via sentença de condenação. Para ele, o respeito à obrigação via condemnatio sentencial era uma das modalidades de extinção das obrigações.


Por não estar tratando do processo ou da litis contestatio, chega a ser uma obviedade dizer que Gaio sequer cogitou a possibilidade de ter-se uma sentença de absolvição. Ele estava dissertando sobre as obrigações e sobre as maneiras que levam-nas à extinção, e dentro desse prisma a condemnatio exsurgia como típica forma de cumprir-se forçadamente um dever assumido. Aqui parece repousar o erro capital da doutrina tradicional: não ter enxergado que o jurista não tratava da litiscontestação, da condenação ou dos efeitos que elas geravam, mas simplesmente abordava as maneiras pelas quais extinguiam-se as obligationes. É certo que houve incorreção na própria construção de Gaio quando atribuiu à litis contestatio o dom novatório, mal-interpretando a passagem dos veteres que ele mesmo citou. A lógica geral do processo civil romano, contudo, não permite que se propugne pela prevalência dos equívocos dessa passagem, mas pelo sucesso de simplesmente ter descrito a condemnatio enquanto um dos veículos de cumprimento e extinção obrigacional.


Mas há ainda outros argumentos que demonstram fraqueza na interpretação tradicional, sobretudo quando se apanha para análise cada um dos dois momentos que a doutrina aponta enquanto extintivos-novatórios.


O primeiro momento diz com a prática da litis contestatio. Como já se viu, a hermenêutica equivocada do trecho gaiano (III, 180) conduziu à crença de que o ato de litiscontestação extinguia a obligatio antes dela existente, substituindo-a pelo dever em obedecer-se à futura condemnatio. Nítido está que a visão é tipicamente imanentista: ela parte não da perspectiva processual do ato (que demandaria enxergarem-se os momentos do processo a partir da perspectiva do pretor e do juiz), mas do prisma de quem é devedor, da visão do sujeito que sabe estar obrigado a determinada prestação. Enfim, direito material e processo acabam misturados, e ao invés de analisar-se o ato de litis contestatio, o raciocínio parte da certeza de que uma obrigação existe. A confusão entre os campos é típica da doutrina do século XIX, e já por isso se entende o porquê do surgimento, nessa época, de idéias imanentistas 109.


O processo romano deve ser observado da perspectiva do pretor e do juiz, e por isso a partir da incerteza da qual a própria expressão formular si paret é representante. É exatamente dessa maneira que Gaio procede quando aborda o processo no Livro IV de suas Institutiones: sem qualquer referência à existência prévia de obrigações. Tal seria não apenas misturar os planos e enxergar o processo sob o prisma do direito material, mas remontar à desgastada teoria civilista e acreditar que uma ação processual é desdobramento de uma obligatio descumprida.


O estudo das fases do processo romano e da atribuição de funções já revela que a seqüência obligatio  actio  litis contestatio  condemnatio é de todo equivocada. Quando ouvia as partes e as auxiliava na redação da fórmula, ao pretor não interessava se o autor tinha ou não razão naquilo que pronunciava. Não era sua preocupação – pois não era seu ofício – examinar se intentio e fatos tinham correspondência e se, portanto, havia uma obrigação descumprida. Seu labor (o de redigir a fórmula e dar uma ação) era exercido independentemente da existência de uma obligatio. É bem isso que se viu no capítulo 3.1: que o pretor não averiguava se o exposto pelo requerente correspondia à verdade, mas aceitava-o provisoriamente como verdadeiro e decidia se aos fatos expostos cabia um direito que se pudesse fazer valer pela via processual 110. Como se disse, ao magistrado pretório incumbia: (i) verificar se as pretensões do autor eram tuteláveis (analisando se um juízo era necessário e harmônico ao direito reconhecido, sob pena de denegare actionem), (ii) auxiliar na redação da fórmula e (iii) autorizar a instauração do procedimento apud iudicem. Isso implica dizer que a actio não pressupunha uma obligatio para que fosse concedida pelo pretor, mas apenas a narrativa das partes 111.


Era assim, aliás, que o direito material (o já denominado ‘justo abstrato’) penetrava e influenciava de maneira cabal o processo: por meio das alegações de autor e réu. Era a partir delas que o pretor dizia o direito e auxiliava os envolvidos para que fosse redigida uma fórmula adequada à solução do caso, em que constasse abstratamente o modelo de justo (direito material) para servir de paradigma à verificação do liame existente entre as partes e ao eventual ajuste caso houvesse iniqüidade 112. E aqui já se adentra também no ofício do iudex: exatamente o de detectar se correspondiam intentio e fatos, isto é, se realmente havia uma obrigação descumprida que carecesse de reforço. Em caso positivo (si paret), uma condenação haveria de ser lapidada; em caso negativo (si non paret), uma absolutio era proferida. É isso que foi visto com amplitude no capítulo 3.2 e que aqui merece apenas referência.


Veja-se que isso exclui de plano a possibilidade de ver-se a litis contestatio como um ato que extinguia uma obrigação anterior. Tal seria admitir que uma actio é desdobramento de uma obligatio, e isso, como se vê, não coaduna à lógica geral do processo romano e sobretudo ao ofício do pretor e do juiz.


Ainda no primeiro momento extintivo-novatório, sequer é possível sustentar que uma nova obrigação era gerada pela solenidade da litiscontestação, e isso independentemente de aceitarem-se ou não as teses imanentistas ora criticadas. A conclusão do ato submetia as partes ao julgamento do iudex, mas de maneira alguma representava o surgimento de uma obligatio. Bem ao contrário, o novo vínculo não apenas ligava um sujeito ao outro, mas os submetia ao imperium do populus Romanus, outorgado ao praetor pelos cidadãos e repassado ao iudex através da fórmula. Ademais, argumentar que a litis contestatio era ‘fonte de obrigações’ é posicionamento só harmônico à doutrina que enxerga o ato como se um contrato fosse. A análise do instituto enquanto ‘momento processual de transição’ entre um e outro procedimentos extirpa a possibilidade de vê-lo como um instituidor de obligationes. Nada existia de extintivo e menos ainda de novatório na litis contestatio.


Ao segundo momento extintivo-novatório (id est à condenação) também é imputado o condão de eliminar e criar obrigações. De tudo que já se viu nos capítulos anteriores, contudo, não parece ter sido essa a causa e a função da sentença de condemnatio. Bem ao contrário, a sentença de per si (fosse ela condenatória, fosse absolutória) era um ato de imperium: sua força decorria da competência judicativa outorgada pela fórmula pretória; era a culminação do cotejo entre intentio formular e fatos; e quando condenatória, consubstanciava-se não na geração de uma nova obligatio, mas no reforço de obrigações que já existiam antes do próprio processo, via submissão do condemnatus ao imperium do populus. Nos moldes de outrora (idos da damnatio), a condenação representava a idéia de submissão do devedor ao cumprimento do prometido, mas também à sentença que por sua própria natureza espelhava a vontade e o império do povo romano. Descumprida a decisão, desrespeitado estava o populus.


Portanto, sequer esse segundo momento do processo romano estava imantado de caráter extintivo-novatório. A condemnatio sentencial não tinha nem por causa e nem por efeito a existência de obrigações. Ao revés, o que lhe dava ensejo era o imperium magistratural e a lógica de correspondência entre intentio e fatos, e o que ela gerava não eram novas obligationes, mas a submissão do condenado ao cumprimento de deveres descobertos como inadimplidos (por conta da instrução processual), com a garantia de que seu patrimônio responderia pelas dívidas caso o descumprimento perdurasse mesmo à ordem judicial.


6 – Conclusões


De tudo o que foi visto, pode-se sugerir que as origens da condenação sentencial do processo civil romano repousam em duas circunstâncias básicas: na figura da damnatio arcaica e nas condições históricas favoráveis que desenvolveram tanto a noção de obrigação quanto os instrumentos processuais utilizados para sua efetivação. Conforme já visto nos capítulos deste trabalho, a algumas conclusões logrou-se chegar.


1. A condemnatio tem como antecedente arcaico a palavra damnatio, que aparecia enquanto relacionada ao votum, aos legados per damnationem e sinendi modo, e ao nexum, e expressava basicamente a instituição de uma garantia para o cumprimento de certas promessas proferidas solenemente (nuncupatio), diante de testemunhas (testis). Imantada de índole religiosa, sua presença submetia o promitente às penas pelo descumprimento, que se resumiam, basicamente, em punições religiosas e na servidão de seu próprio corpo ou de seu labor ao poderio do beneficiário (manus iniectio ex damnatio). A damnatio parece ter sido uma das modalidades antigas de obrigação, já que nesses idos, dada a permeação total da religião às instituições romanas, o centro do vínculo era a garantia, e não o debitum (como mais tarde seria, com o surgimento da obligatio).


2. Pulando-se ao período formular do processo romano, a condemnatio aparecia enquanto parte da fórmula e enquanto sentença. Como pars formulae, a condemnatio representava a outorga de imperium judicativo ao juiz, que tinha como origem o próprio populus Romanus e as atribuições de que o pretor era investido. Sua função, aliás, deve ser vista dentro do prisma evolutivo de pretor e fórmula, que nasceram e pereceram unidos na história processual de Roma. Como sententia, a condemnatio pode ser vista sob seu aspecto externo e sob seu aspecto interno. No que tange ao primeiro, pode-se dizer que ela resultava do cotejo positivo entre intentio formular e fatos (via instrução processual), que revelava haver no caso concreto uma iniqüidade que dependia de ajuste. Com o tempo, passou a ser escrita e fundamentada, sobretudo por conta do perigo de litem suam facere, mas invariavelmente expressa em termos pecuniários.


3. No que tange ao aspecto interno da condemnatio, é possível afirmar que o desenvolvimento das instituições como um todo acabou por substituir paulatim a idéia de ‘obrigação como garantia’ (damnatio) pela idéia de ‘obrigação como vínculo ideal’ (obligatio), determinando, por outro lado, o desenvolvimento dos instrumentos processuais em diversos de seus princípios. Minorada a influência da religião, esvaziou-se a ratio da damnatio, e ela, de alguma forma (provavelmente por uma prática adotada pelos julgadores romanos), foi internalizada ao sentenciamento, fazendo perdurar, no entanto, a idéia de submissão do devedor ao cumprimento do prometido e boa parte da solenidade de que antes se revestia. Ao revés de submetê-lo à religião e aos castigos sacrais, a damnatio sentencial (ou a sentença de cum damnatio) o submetia ao populus Romanus (ao imperium) por conseqüência da determinação judicial: caso descumprisse a sentença, a soberania do povo é que estava sendo desrespeitada.


4. Enfim, o aspecto interno da sentença de condemnatio ressalta ainda mais quando cotejada à litis contestatio e aos momentos extintivo-novatórios que a doutrina deduziu de um trecho de Gaio (Institutiones, III, 180). Se já a litiscontestação não possui como causa e como efeito a existência de obrigações, menos ainda a condemnatio. Esta, como se viu, não era desdobramento de uma obligatio, mas da competência judicativa outorgada ao iudex e daquilo que era resultado do cotejo entre intentio formular e fatos; e por outro lado, não se consubstanciava na formação de obrigações, mas no reforço de deveres que existiam antes mesmo do processo, via submissão do condenado ao imperium do Estado romano (melhor dizendo, do populus Romanus) 113.

Notas do Autor:
95 PUGLIESE, Giovanni. Processo privato e processo pubblico: contributo all'individuazione dei loro caratteri nella storia del diritto romano. Rivista di diritto processuale. Padova: Milano, 1948, v. 3, p. 67.
96 Idem, pp. 68-70.
97 "La teoria de Wlassak es sostenida con argumentos endebles, con interpretaciones faltas de crítica y con deducciones incorrectas" (SCHULZ, Fritz, Derecho romano clásico, cit., p. 15).
98 SCHULZ, Fritz, Derecho romano clásico, cit., pp. 15-16. A função judicativa era um múnus público: por ser imprescindível à cognição e à solução da demanda, não importava a individualidade da pessoa investida, mas tão-somente que fosse capaz de resolver da melhor maneira o litígio; e tanto era assim que o pretor podia substituir o titular quantas vezes fossem necessárias, até que achasse um que exercesse as funções com o apuro exigido.
99 CANNATA, Carlo Augusto, Profilo istituzionale del processo privato romano: il processo formulare, cit., pp. 170-175. Cf. também Gaio, Institutiones, III, 79.
100 SCHULZ, Fritz, Derecho romano clásico, cit., p. 14.
101 GIOFFREDÌ, Carlo, Diritto e processo nelle antiche forme giuridiche romane, cit., p. 153.
102 A obra de Festo foi consultada da edição de BRUNS, Carolus Georgius. Fontes iuris romani antiqui. Tübingen: Lauppiana, 1871, p. 180.
103 GREENIDGE, Abel H. J., The legal procedure of Cicero's time, cit., p. 244.
104 CANNATA, Carlo Augusto, Profilo istituzionale del processo privato romano: il processo formulare, cit., p. 165.
105 KELLER, Friedrich Ludwig. De la procédure civile et des actions chez les romains (trad. Charles Capmas). Paris: Ernest Thorin, 1870, p. 265.
106 Ad exemplum, vejam-se as observações de SCHULZ, Fritz, Principles of roman law, cit., pp. 44-45. Na seara pátria, são admiráveis as críticas feitas por Pontes de Miranda, ainda que em breve trecho: "Os romanizantes, um pouco para salvar a materialização (ou, mais restritamente, a privatização celsiana), recorreram, ainda no século XIX e no século XX, a vários "expedientes". Com isso, insistiam no êrro do proculeiano P. Juvêncio Celso. Peripatético, portanto: a aplicação do direito, que seria forma, e a incidência, matéria, tornar-se-iam o mesmo, porque, no ser, o que importa é a forma; de modo que o direito privado e o processo eram um só direito" (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972, v. 1, p. 91). Basta lembrar que os romanos não eram afeitos a definições, o que de plano retira toda a importância que, durante muitos anos, foi atribuída à definição de Celso (omnis definitio in iure civili pericolosa est; rarum enim est, ut non subverti posset). Cf. SCHULZ, Fritz. The invention of the Science of Law at Rome. In: JAKOBS, Horst Heinrich. De similibus ad similia bei Bracton und Azo. Frankfurt: Vittorio Klostermann Frankfurt am Main, 1996, p. 107.
107 BETTI, Emilio. La struttura dell'obbligazione romana e il problema della sua genesi. Milano: A. Giuffrè, 1955, p. 14.
108 SCHULZ, Fritz, Derecho romano clásico, cit., p. 15.
109 Dê-se apenas um destaque à tese de Friedrich Karl von Savigny, que de seus entendimentos fez derivar o que hoje se conhece por "teoria civilista da ação", a pressupor a existência de um direito subjetivo e sua inflamação para que uma ação processual pudesse ser inaugurada (SAVIGNY, Friedrich Karl von. Sistema del diritto romano attuale (trad. Vittorio Scialoja). Torino: UTET, 1886, v. 5, §§ 204 e 205).
110 Essas são palavras de KASER, Max, Derecho romano privado, cit., p. 355.
111 Desde que entenda-se 'actio' enquanto conduta, procedimento, ação genericamente dita, conforme razoável interpretação de Fritz Schulz (cf. nota 51). Acredita-se aqui que os romanos do período formular não imputaram à actio a importância de uma categoria jurídica a ser formulada e discutida. Para eles, actio era simplesmente 'agir', 'conduzir-se de determinada maneira'. Tanto que a palavra nunca vinha desacompanhada: para os romanos, actio nunca era apenas actio, mas actio para o exercício de determinada conduta. Era, portanto, proceder em sentido lato (seja material, seja processual) carente de complemento, e não uma categoria jurídica. Essas observações são pertinentes para que não se atribua a este trabalho o erro de observar a actio romana a partir da teoria abstrata da ação. O trato que aqui se dá, conforme recém visto - e que acredita-se tenha sido o uso romano da palavra -, é no sentido da não adoção de entendimentos modernos para a explicação do processo romano.
112 'Justo abstrato' porque espelhado na fórmula (ius dicere, iurisdictio, dizer o direito, dar a descrição abstrata, a partir das alegações concretas, do que seria uma relação equilibrada e isonômica, descrição esta que servia de instrumento - por isso ius era visto como técnica - ao juiz para realizar o bom e o eqüitativo no caso concreto), e posteriormente nos editos e nas legislações dos períodos mais avançados do direito romano (que decorreram, por lógica, da repetição empreendida pelos pretores de um mesmo justo abstrato, de uma mesma técnica para a resolução de casos similares). Sobre isso, vejam-se as interessantíssimas considerações de GALLO, Filippo. Aspetti peculiari e qualificanti della produzione del diritto nell'esperienza romana. Rivista di diritto romano, v. 4, 2004. Acessível em: .
113 Como antes já foi dito, parafraseando-se Marc Bloch, o passado é por definição um dado imodificável; seu conhecimento, porém, é coisa que progride, e que incessantemente se transforma e se aperfeiçoa (BLOCH, Marc, Apologie pour l'histoire ou métier d'historien, cit., p. 22). Sob esse pressuposto, sabe-se que muitos dos pontos deste trabalho estão crivados de diversas imperfeições e lacunas, que só com o tempo, com pesquisas mais aprofundadas e com as críticas que advirão poderão ser sanadas - e ainda assim não em seu totum. Fica a esperança de que, mesmo no erro, sirva ele de impulso adicional à pesquisa e à discussão histórica.

Extraído do CD Magister 28, ago/set 200

AGENDA DO PRESIDENTE DO STF


Agenda do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, para sexta-feira (27/11)


 

10h - Reunião STF, CNJ, Tribunais de Justiça e Assembleias Legislativas Estaduais. Palestra de abertura sobre o tema “Controle de Constitucionalidade de lei estaduais”.
Local: Sala de Sessões da Segunda Turma do STF.

14h30 – Palestra no Seminário de Execução Penal, com o tema "Execução penal, Defensoria Pública e o mutirão de atendimento".
Local: Sede da Defensoria Pública da União em São Paulo (Rua Fernando de Albuquerque, 155, Bairro Consolação, São Paulo).

17h30 - Cerimônia de implantação do Sistema Integrado de Mandados de Prisão (SIMP).
Local: Fórum de Cuiabá (MT), auditório da Turma Recursal.

26 novembro 2009

SAP – TRAUMAS DA SEPARAÇÃO PREJUDICAM OS FILHOS




A criação de falsas memórias durante o período de formação da criança, motivadas pelo desejo de um dos pais de fazer com que o filho rejeite o ex-parceiro pode gerar danos reais à vítima desse processo chamado de alienação parental. Essa é a avaliação do presidente nacional da Associação de Pais e Mães Separados (Apase), Analdino Rodrigues.


Segundo ele, a alienação parental é provocada geralmente pelo detentor da guarda da criança, pois o cônjuge privado do convívio regular “sequer tem tempo para incitar a criança contra o ex-parceiro, no breve encontro com o filho”.

Ele defendeu a mudança proposta pelo substitutivo ao projeto de lei que inibe a alienação parental, aprovado na última quinta-feira (19) na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, que retira do texto a previsão de pena de detenção para quem tentar impedir o contato da criança com o ex-cônjuge. “Seria ainda mais difícil tentar restabelecer uma convivência [com o genitor vítima da alienação], se a criança soubesse que um dos pais está preso por ter atrapalhado esse contato com o outro”, acredita.

Para a terapeuta familiar especialista no assunto, Marília Lohmann Couri, o sentimento vingativo de um dos cônjuges pelo outro “provoca danos seríssimos” em razão da violência emocional. Ela explica que a criança, ao construir as lembranças da infância com base em relatos dos pais, sente dores emocionais, “para ela são reais”, mesmo que não tenha havido agressão ou abusos por parte do outro genitor.

A psicóloga acredita que deve haver uma conscientização do pai que tem essa conduta quanto aos prejuízos causados ao filho, que, segundo ela, são mais graves do que os sentidos pelo ex-parceiro.

Para a advogada e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Suzana Viegas, quando a questão é levada a julgamento, deve-se priorizar a proteção à criança, de modo a minimizar os efeitos nocivos da alienação parental. Segundo ela, ainda que o tema não esteja previsto em leis, os magistrados dispõem de mecanismos para resguardar a criança a fim de garantir “um desenvolvimento saudável como pessoa e cidadã”.

Informações da Agência Brasil.
 
Nota do blog:
 
 O professor espanhol Fernando Carbajo Cascón, titular da Universidade de Salamanca, no Seminário Ítalo-ibero-brasileiro realizado no auditório do STJ, em 25/09/3009, discorrendo sobre o direito de propriedade destacou a importância de criar mecanismos para compensar as perdas que diversos atores vêm sofrendo com a reprodução de obras. Não se proíbe o que não se pode impedir, ressaltou. (Veja noticiário do STJ sob o título Professor espanhol adverte em seminário sobre risco de proibir o que não se pode controlar.

Essa reflexão deve ser ainda mais observada em se tratando de matéria criminal, especialmente no que concerne às relações familiares, daí que o blog também já manifestou em outro post sobre a questão, apoiando a iniciativa de retirar do texto da lei que regula a Síndrome da Alienação Parental no Brasil a criminalização da conduta, tanto porque é algo de difícil comprovação quanto porque medidas preventivas e impeditivas postas à disposição do magistrado possam conter e/ou impedir a perpetração da referida conduta. É o velho adágio popular: melhor prevenir que remediar.

A mera criminalização não é suficiente para impedir a consumação da conduta nem remediará os traumas provocados nos filhos. O ideal é buscar a conscientização dos pais, a divulgação e orientação quanto a seus males durante o processo de separação e fornecer meios capazes de evitar sua ocorrência.

DEFENSORIA DA UNIÃO CRIA PROGRAMA DE RESIDÊNCIA JURÍDICA



 
Através de Portaria publicada no Diário Oficial da União de terça-feira (24/11) foi instituído o Programa de Residência Jurídica da Defensoria Pública da União. São 150 vagas distribuídas por todas as unidades da defensoria. A residência jurídica é um programa de pós-graduação com treinamento prático.


O valor da bolsa auxílio para os alunos-residentes que participarem do programa será de R$ 1 mil e a carga horária total, incluindo a parte teórica e prática, de 30 horas semanais.

O programa foi criado para despertar o interesse dos profissionais do direito para o papel da assistência jurídica integral e gratuita. A iniciativa foi inspirada na experiência bem sucedida do Programa de Residência Jurídica da Procuradoria do Estado e da Universidade do Rio de Janeiro, implantado também no âmbito da Procuradoria do Município do Rio de Janeiro. Informações da Agência Brasil.

Trata-se de programa que deveria ser implantado em todas as Defensorias Públicas dos Estados e também nas Procuradorias Estaduais e Municipais das Capitais e das principais cidades do Brasil, ainda que fosse apenas com relação à parte prática jurídica, sem a conotação de pós-graduação, que poucas entidades poderiam oferecer. É uma bela e rara oportunidade oferecida aos recém formados para terem contato com os diversos misteres da advocacia pública e, sem dúvida alguma, dar-lhes instrumental e conhecimentos para optarem com mais convicção pela carreira a ser seguida. Além disso servem ainda para arejar as próprias instituições que os acolherem e propiciar-lhe meios de melhor servir aos interesses institucionais. Embora não tenha sido fixado prazo pressupõe-se que seja correspondente ao período mínimo de horas-aula para o curso de pós-graduação. Poderia ser previsto o prazo de, pelo menos, um ano.

Abaixo, o inteiro teor do ato normativo:

PORTARIA Nº 583, DE 23 DE NOVEMBRO DE 2009

O Defensor Público-Geral Federal, no uso da atribuição que lhe é conferida pelo inciso XIII do art. 8º da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994;
Considerando a necessidade de estimular o aprofundamento dos estudos sobre assistência jurídica integral e gratuita;
Considerando a experiência exitosa do Programa de Residência Jurídica da Procuradoria do Estado e da Universidade do Rio de Janeiro, bem como a sua implantação também no âmbito da Procuradoria do Município do Rio de Janeiro;
Considerando a necessidade de disseminar a visão técnicojurídica de defesa na comunidade acadêmica e jurídica;
Considerando a importância de aproximar e despertar o interesse dos profissionais da área do Direito para o papel fundamental da assistência jurídica integral e gratuita;

Resolve instituir o Programa de Residência Jurídica no âmbito da Defensoria Pública da União, observadas as prescrições seguintes:

Art. 1º Fica criado o Programa de Residência Jurídica da Defensoria Pública da União.
Art. 2º O Programa de Residência Jurídica terá cento e cinqüenta vagas, a serem distribuídas por todas as Unidades da Defensoria Pública da União em Portaria própria.
Art. 3º O valor da bolsa-auxílio para os alunos-residentes participantes do Programa de Residência Jurídica será de mil reais, sendo a carga horária total, incluindo a parte teórica e prática, de trinta horas semanais.
Art. 4º A Escola Superior da Defensoria Pública da União executará o Programa de Residência Jurídica.
Art. 5º As despesas decorrentes do programa correrão por conta do orçamento da Defensoria Pública da União, na ação "2725 - prestação de assistência jurídica ao cidadão", natureza "3690.36".
Art. 6º Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação.
JOSÉ RÔMULO PLÁCIDO SALES

DOU. 24/11/2009

AS ORIGENS DA CONDENAÇÃO DO PROCESSO CIVIL ROMANO


Parte 3/4


Guilherme Carneiro Monteiro Nitschke
Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogado associado de TozziniFreire Advogados.



4 –Da damnatio à condemnatio



Como se vê, a existência de uma sentença de condemnatio era pressuposto ao processamento de posterior execução, mas isso não quer dizer que sua mera presença fosse suficiente. A actio iudicati, em verdade, tinha como causa uma condenação descumprida, e não apenas uma sentença condenatória; seu elemento determinante, portanto, era a desobediência à sentença, não só a existência dela. Basta referir que na prática processual nem sempre uma condemnatio gerava uma execução, pois ao réu era facultado efetuar o pagamento da soma pecuniária nos trinta dias que se seguiam (Lei das XII Tábuas, III, 1-3). A sentença de condenação daqueles tempos, portanto, não pode ser definida como aquela que gerava posterior execução.



Por outro lado, dizer que ela consistia em mera declaração é insuficiente. É certo que o reconhecimento de uma obrigação não cumprida era seu pressuposto, mas essa não parece ter sido sua finalidade. Tal seria desprezar o espírito prático do qual estiveram imantados todos os instrumentos processuais formulares e considerar a verdade como sendo o escopo do processo romano, e não imediatamente a realização do justo concreto. Ter-se-ia um procedimento voltado exclusivamente à cognição do juiz, que exararia declarações sem estabelecer qualquer liame direto com a situação concreta. Se no processo civil hodierno já se tecem sérias reticências a concepções da estirpe, imagine-se o absurdo de interpretar-se dita realidade como sendo a do processo de Roma, que – como sabido – era desligado da noção de direitos subjetivos e voltado para a praticidade de seus instrumentos.



É preciso descer da superfície à profundidade da condemnatio, e isso passa necessariamente pelo prisma histórico-evolutivo do instituto. De plano, e dado o imperium de que se revestia a atuação do iudex (afinal, ele o recebia do pretor por meio da cláusula formular que "coincidentemente" Gaio chamou de condemnatio), a sentença condenatória parece ter sido um ‘pronunciamento que submetia’. É o que se poderá confirmar na evolução da damnatio para a condemnatio a ser abordada nas próximas linhas, desenvolvimento este que é ilustração e conseqüência da laicização institucional de Roma e da paulatina dessacralização da prática dos magistrados.



Nessa linha, parece ter sido a tendência expansionista dos romanos o elemento que mais contribuiu para o desenvolvimento de suas instituições. A partir do século V a.C., quando Roma estabeleceu contatos mais constantes com outros povos e encetou a conquista de territórios que a cercavam (mais como forma de proteger-se das agressões externas do que para suprir anseios de domínio) 78, influxos culturais estrangeiros adentraram pelas portas frontais da cidade, infirmando pouco a pouco os antigos mitos tribais e racionalizando a visão-de-mundo de seu povo. A erupção do desenvolvimento parece ter culminado no século IV a.C., quando tornaram-se fortes as influências helênicas e a conseguinte adoção do método dialético, baseado no estudo dos tipos (gêneros e espécies), via distinção e síntese, e dos princípios que os governam 79. Toda essa contingência evolutiva trouxe a Roma o cosmopolitismo do mundo antigo, fazendo com que a religião assumisse um papel secundário e que em seu lugar exsurgissem institutos que se justificavam não mais pela sacralidade, mas por encontrarem sua origem e seu fim na soberania do populus Romanus 80.



Desse entremeio evolutivo pode-se destacar alguns institutos jurídicos que especialmente interessam a este trabalho, e que também sofreram e sentiram em sua essência os efeitos da secularização operada em Roma. Despidos de suas vestes sacrais, alguns deles se extinguiram, outros se adaptaram, e outros, ainda, lograram ser mantidos praticamente nos mesmos trajes que o arcaísmo lhes envolvia, conforme estivessem ou não enroscados à religião. E nesse sentido, já que elementos vinculados à lapidação da condemnatio formular, proceder-se-á à análise do destino dado à damnatio arcaica, das novéis ações da lei e do primeiro uso de sentenças cum damnatio.



Na época arcaica da história romana, a damnatio representava a ‘garantia por submissão’ aos deuses e ao credor de que certas promessas proferidas solenemente (via nuncupatio) seriam cumpridas, sob pena de coação particular do credor (manus iniectio). Como se viu anteriormente, a publicidade das promessas e da garantia à sua realização (damnatio) era avalizada pela solenidade do ato e pela presença de testemunhas, de maneira a submeter o devedor à efetivação do que prometera ou à coerção religiosa e creditória exercida pelos beneficiários da declaração em caso de não cumprimento.



Essa concepção de damnatio enquanto garantia e submissão coaduna perfeitamente às observações de alguns estudiosos que se detiveram em investigar as origens da obligatio romana. Na época arcaica, segundo eles, uma outra espécie de vínculo conectava os sujeitos e se caracterizava principalmente pela religiosidade e pela sujeição pessoal do devedor ao credor. Essa ‘obrigação primitiva’ (se assim possa ser dito) expressava unicamente a idéia de afetação de pessoas como garantia ao cumprimento de uma prestação 81; ela se restringia, portanto, a garantir o cumprimento do que fora prometido. Como bem resume Giovanni Pugliese, tratava-se de vínculos conectados imediatamente a um ‘resultado’: permaneciam indefinidamente se esse ‘resultado’ não se verificasse, e se dissolviam, com a conseqüente liberação do sujeito passivo, se o ‘resultado’ se desdobrasse 82. Eram relações com eficácia diretamente coercível sobre a pessoa do submetido, e por isso podiam dar ensejo imediato à manus iniectio 83. Falar de damnatio, assim, é o mesmo que falar dessa primitiva obrigação, caracterizada pela garantia ao cumprimento de promessas via submissão do próprio promitente.



É nítido que a damnatio tirava sua razão de ser da nuncupatio: ela existia para garantir que as promessas proferidas solenemente seriam cumpridas. O passar do tempo, porém, fez com que a nuncupatio se esvaziasse de sentido, pois a religiosidade romana que a imantava pereceu diante dos contatos de Roma com outras culturas, com o crescimento da cidade e com o florescimento de novas percepções da realidade. Esvaziada a nuncupatio, esvaziou-se a damnatio. Cedeu pouco a pouco à noção de obrigação enquanto "vínculo ideal", a significar que o obligatus, para dela se libertar e não ser submetido à servidão corporal, devia proceder simplesmente à prestação do devido 84; a garantia deixava de ser o centro do vínculo interpartes. Como bem resume Arnaldo Biscardi, a obrigação não mais era uma ou outra das figuras de sujeição materialística do indivíduo em garantia de um comportamento devido, sujeita à discricionariedade do credor; ela passava a ser, ao contrário, um vinculum iuris, ou seja, uma relação jurídica meramente ideal 85.



A iniciar pelas primeiras aparições de sponsio na Lei das XII Tábuas, o golpe fatal à predominância da garantia (e, por conseguinte, do reinado da damnatio) adveio com a lex Poetelia Papyria, em 326 a.C., fazendo prevalecer o debitum enquanto essencial ao vínculo obrigacional e enxergando as garantias pessoais e reais como mero reforço da obrigação. Diz-se que esse diploma representa "il colpo di grazia" da primitiva damnatio, ao passo que foi o prelúdio da posterior jurisprudência republicana e clássica no que tange à nova construção dogmática das relações obrigacionais enquanto tais 86. A damnatio cedia espaço mais e mais à obligatio 87.



Não se sabe com plena certeza de que maneira a damnatio foi incorporada ao processo civil de modo a ensejar o posterior surgimento de sentenças cum damnatio e depois de condemnatio. O estudo da evolução do processo, contudo, oferece algumas pistas desse desenvolvimento, mormente por ser ele instrumento da realização concreta do justo abstrato e por isso em intenso câmbio 88.



A presença de sentenças condenatórias na época arcaica – tal qual lapidadas no período formular – era incerta e até mesmo improvável 89. Elas só passaram a existir com a laicização do direito e coincidem exatamente à mutação do termo damnatio para condemnatio – prova, aliás, de que as palavras não sofrem modificações arbitrárias, mas acompanham o caminhar evolutivo das sociedades, e, por estarem imersas no todo cultural, experimentam mudanças paralelas, relacionadas e concomitantes às mutações gerais. O juízo das legis actiones resultava da legis actio sacramento, e consistia em decisão de um julgador inspirado por deuses que dizia se certa conduta estava ou não em conformidade ao direito reconhecido da época. Seu escopo não era o adimplemento de deveres descumpridos, e sim a punição dos sujeitos que houvessem jurado em falsidade perante as deidades citadinas 90. Nos primeiros tempos, as partes respondiam com seu próprio corpo depois de ofertado juramento (per Iovem lapidem), e o sucumbente tornava-se homo sacer, sujeito a sacrifício (sacer facio) para apaziguamento da ira divina 91. Seguindo a dinâmica evolutiva do iudicium, em pouco tempo (ainda na época da Monarquia) a garantia pessoal foi substituída pelo depósito expiatório (piaculum) de animais e depois pelo cobre, para, nos tempos decemvirais – com o assentamento do sistema capitalista romano e com o aparecimento das moedas (leis do século V a.C.) –, ter-se de depositar quantia pecuniária. No período helênico, o piaculum transformou-se em mera poena, o que demonstra de certa forma a decadência do sacramentum e de todo o universo de ações da lei frente à laicização das instituições.



É que as conquistas bélicas, o crescimento de Roma e o corte entre religião e direito surtiram efeitos imediatos também na realidade das legis actiones, de maneira a minorar paulatinamente a relevância da legis actio sacramento e oportunizar o nascimento de novos instrumentos processuais, bem melhor adequados aos novos tempos. Nesse sentido, a época das XII Tábuas, na senda da introdução da moeda (nota 31), gerou o novel expediente do arbitrium liti aestimandae, que consistia na indicação de um arbiter (no sentido de ‘perito’) e na transformação de uma res ou de um facere em pecúnia. Originariamente, o procedimento era externo ao sacramentum e à manus iniectio, mas servia de ponte para que a execução pudesse ser processada. A aestimatio era contratada pelo litigante vencedor, que, sob a obrigação de executar por quantia certa, tinha de transformar a "coisa" ou o "fazer" em dinheiro.



Aos poucos, essa e outras circunstâncias foram internalizando a aestimatio e determinaram o surgimento de uma nova ação da lei: a legis actio per iudicis arbitrive postulationem, criada por uma das leges Licinniae Sextae (século III a.C.), tendo em tempos iniciais a participação de um arbiter e posteriormente de um iudex. Diz-se que essa legis actio é amostra exemplar da dessacralização que a época portava ao direito romano, sobretudo porque foi a pioneira em introduzir a importante figura do iudex, na senda da recente criação do magistrado pretório (367 a.C.) e da abertura das fórmulas processuais ao estudo de jurisconsultos profanos (D. 1.2.2.7). Ao contrário da legis actio sacramento, a legis actio per iudicis arbitrive postulationem, além de utilizar-se do iudex, estava desprovida de quaisquer valorações sacrais, não obstante ainda perdurar a formalidade de pronunciarem-se palavras solenes (certa verba) à sua admissibilidade. O sacramentum, por seu turno, mais e mais diminuía de importância, restando relegado a simples pena patrimonial, como já se viu acima.



O juízo que essa nova ação da lei engendrava era absolutamente direto: pronunciava-se a existência ou a inexistência de uma obrigação violada, e de já lançava-se mão, pela primeira vez na história processual romana, de uma legítima condemnatio pecuniária 92. Se de fato a condenação enquanto sentença era conseqüência lógica do exercício dos poderes decisórios outorgados ao iudex e por isso pressupunha que seu ato final estivesse revestido de império e autoridade, tal só poderia ser possível em tempos que estivessem destituídos das permeações religiosas e que fornecessem uma noção mínima de Estado, de maneira que um juízo direto e imperativo fosse de possível exaração. A legis actio per iudicis arbitrive postulationem parece ter oferecido de forma pioneira todas as condições para que uma sentença da estirpe pudesse ser proferida.



Resuma-se o que até aqui foi dito. O desenvolvimento de Roma, a partir do século V a.C., surtiu efeitos tanto na seara material quanto na seara processual do direito. A influência da religião nas instituições não era mais a mesma, e a noção de populus Romanus fortificou-se pouco a pouco de modo a ocupar as lacunas que a secularização deixava. Especialmente no que interessa, e como decorrência dessa evolução cultural, o plano material do direito observou a paulatina substituição da idéia de ‘obrigação como garantia’ (damnatio) pela idéia de ‘obrigação como vínculo ideal’ (obligatio), de forma a fazer prevalecer o liame interpartes e tornar acessória a asseguração de sua regular mantença.



Por sua natureza instrumental, o processo teve de acompanhar esse desenvolvimento jurídico-material. A antiga legis actio sacramento, por mais que tivesse sofrido modificações para se adaptar à nova contingência, não estava mais dando a resposta apropriada à realização dessas novéis obrigações descumpridas. E não era de se esperar algo diferente: sua formatação era adequada aos vínculos com índole religiosa, em que o centro era a garantia, e não o débito. Daí que se explica o surgimento da legis actio per iudicis arbitrive postulationem, primeira ação da lei a patrocinar de forma mais completa a realização desses novos liames, a adiantar a própria formação do processo formular dos tempos clássicos. Não é à toa que a lex Poetelia Papyria, por consagrar a noção de obligatio e excluir a escravidão por dívidas, aboliu em absoluto a execução ex damnatio, seja porque o sumiço da nuncupatio não lhe dava mais razão de existência, seja porque a ‘obrigação como garantia’ cedia espaço à ‘obrigação como vínculo ideal’, e daí, por já não existir a força da garantia e a manus iniectio eminentemente particular, impunha a necessidade natural de proceder-se a uma cognição judicial prévia que desse azo ao conhecimento da obrigação e de seu descumprimento.



A universalização da necessidade de cognição prévia deu-se basicamente pelo perecimento da ‘obrigação como garantia’: a damnatio – que era uma de suas espécies e que ensejava, particularmente, uma manus iniectio direta, sem iudicium anterior – cedeu lugar à noção de ‘obrigação como vínculo ideal’, e seu poderio de submeter antecipadamente o devedor ao cumprimento de suas promessas assim desapareceu da praxe jurídico-material. No mesmo passo, a declaração do juiz passou a substituir a certeza religiosa fornecida pela nuncupatio, e a execução não podia mais ser realizada privadamente pelo credor, mas tão-somente sob a condução estrita e atenta do magistrado pretório. Todos esses elementos explicam de alguma maneira por que a damnatio deixou de existir, ao passo que fornecem indícios de como ela teria sido absorvida pelo processo e mais tarde se desenvolvido em sentenças de condemnatio.



Mas não há como saber com absoluta certeza de que maneira a damnatio tornou-se condemnatio. Na linha recém esboçada, cabe suscitar uma hipótese prática: que os julgadores romanos desenvolveram o costume de expressar a força de submissão que suas sentenças possuíam por meio do vocábulo damnatio; seriam, assim, sentenças cum damnatio, com submissão do réu ao populus Romanus 93. Veja-se bem que o uso da palavra não sofreu essencial modificação: ela continuou representando a idéia de submissão do devedor ao cumprimento do prometido, e prosseguiu sendo proferida solenemente, mas agora pelo iudex e perante as partes e eventuais terceiros que assistissem ao julgamento. Ao revés de submeter o devedor à religião e aos castigos sacrais pelo inadimplemento, a presença de uma damnatio na sentença (ou de uma sentença cum damnatio) o submetia ao populus Romanus por conseqüência da determinação judicial: se descumprisse a sentença, estaria em desrespeito à soberania do povo de Roma, mormente pela dose de imperium que vinha repassada ao julgador através da fórmula.



A conclusão aportada é coincidente a certas observações de Carlo Gioffredì, que assim enxerga a condemnatio: "se trata antes de ‘responsabilidade’, do vínculo que nasce da litis contestatio, o qual porém não se concretiza numa obligatio: com a litis contestatio o réu não se empenha a um comportamento qualquer, mas este nasce, ao revés, de uma sanção social" 94. Essa interação entre condemnatio e litis contestatio restará melhor analisada no capítulo seguinte, quando o objetivo precípuo será analisar ambos os institutos sob os entendimentos bosquejados até agora.



Por ora, resuma-se que a condemnatio sentencial submetia o réu ao cumprimento da determinação do iudex, detectada que estava a correspondência entre intentio formular e fatos de maneira a revelar que uma obrigação concreta fora desrespeitada. Por outro lado, ela servia de garantia ao crédito do autor, pois de alguma maneira o justo concreto seria preservado: ou pelo cumprimento voluntário da sentença, ou pela execução se passados trinta dias. A submissão aqui mencionada, contudo – por força da humanitas, representada com força máxima na lex Poetelia Papyria –, não dizia com o corpo do devedor, mas com seu labor e mais normalmente com seus bens.

Notas do Autor:

78 Basta lembrar, como faz André Piganiol, que Roma iniciou protegendo-se de pequenos povos das cercanias (como, por exemplo, os montanheses), para depois se atirar em combates contra civilizações maiores (e.g. a Etrúria), sempre saindo-se vitoriosa, anexando os territórios de seu entorno (PIGANIOL, André, Histoire de Rome, cit., pp. 50-51). Sobre as conquistas de maior expressão nos últimos séculos da República, veja-se ROSTOVTZEFF, Mijail. Historia social y económica del Imperio Romano (trad. Luis López-Ballesteros). Madrid: Espasa Calpe, 1998, t. 1, pp. 31-101.
79 As considerações podem ser achadas em obra de Fritz Schulz, que ainda acrescenta ter sido a dialética o principal vetor de transformação da jurisprudência romana em ciência sistemática (SCHULZ, Fritz, History of roman legal science, cit., pp. 62-68).
80 Como bem leciona Fergus Millar, ressalta aqui o poder crescente e influente das assembléias populares durante o período republicano (aprovação de leis, eleição de magistrados e judicatura nas comitia centuriata e comitia tributa), em eqüipotência aos líderes e ao Senado, circunstância que acabou permitindo que Roma tivesse muito dos elementos democráticos apresentados pela Atenas clássica (MILLAR, Fergus. The political character of the Classical Roman Republic, 200-151 B.C. The Journal of Roman Studies, 1984, v. 74, p. 2).
81 BARREIRO, Alejandrino Fernández. Las fuentes de las obligaciones en relación con el sistema de acciones en derecho clásico. In: Derecho romano de obligaciones: homenaje al profesor José Luis Murga Gener. Madrid: Centro de Estudios Ramón Areces, 1994, p. 29.
82 PUGLIESE, Giovanni, Istituzioni di diritto romano, cit., p. 140.
83 BARREIRO, Alejandrino Fernández, Las fuentes de las obligaciones en relación con el sistema de acciones en derecho clásico, cit., p. 30.
84 Giovanni Pugliese oferece passagem pertinente sobre o ponto, ao ensinar que o obligatus, "per liberarsi dal vincolo ideale e non vederlo convertirsi in asservimento corporale, "aveva la necessità", non solo sul piano psicologico, ma anche su quello giuridico, di procurare la "prestazione" al "creditore". E "avere la necessità" aveva cominciato a essere tecnicamente indicato come oportere" (PUGLIESE, Giovanni, Istituzioni di diritto romano, cit., p. 141).
85 BISCARDI, Arnaldo. La genesi del concetto classico di "obligatio". In: BISCARDI, Arnaldo et alii. Derecho romano de obligaciones: homenaje al profesor José Murga Gener. Madrid: Centro de Estudios Ramón Areces, 1994, p. 25.
86 BISCARDI, Arnaldo, La genesi del concetto classico di "obligatio", cit., p. 26.
87 Prova do que se diz é a própria abolição da manus iniectio ex damnatio, também por obra da lex Poetelia Papyria. Esse diploma legal - no mesmo contexto de introdução da obligatio - extirpou do processo civil a execução pessoal, proibiu a escravidão, o flagelo corporal e a morte como decorrência de dívidas, e eliminou, assim, a possibilidade de execução ex damnatio, exigindo cognição judicial anterior para que a manus iniectio pudesse ser processada.
88 Como afirma Abel H. J. Greenidge, "procedure is always a symbolic manifestation of right": direito material e processo evoluem em ritmos distintos, de modo que o desenvolvimento do processo, por sua natureza instrumental, é o indício mais aparente do desenvolvimento do direito material (GREENIDGE, Abel H. J., The legal procedure of Cicero's time, cit., pp. 3-5).
89 Diz Pugliese sobre o ponto: "nel processo per formulas la condemnatio del convenuto soccombente era normale; nelle legis actiones invece l'esistenza di una condemnatio non è precisamente attestata e quindi è incerto se essa trovasse luogo in tutte le legis actiones contenziose o solo in alcune o solo a partire da una certa epoca" (PUGLIESE, Giovanni, Il processo civile romano: le legis actiones, cit., p. 25, nota 31).
90 Indica Albanese que "un tal meccanismo rinvia ad una fase storica nella quale la soluzione delle liti non si cercava attraverso criteri di indagine razionale e tecnico-giuridica, bensì attraverso mezzi volti a stabilire la confomità, o non conformità, alla volontà divina, d'una affermazione controversa" (ALBANESE, Bernardo, Il processo privato romano delle legis actiones, cit., p. 11).
91 MEIRA, Sílvio A. B., O homo sacer no antigo direito romano, cit., pp. 94-96.
92 Complementa bem Gioffredì: "erede dell'arbitrium inteso alla valutazione della pretesa, essa non si chiude con una pronuncia di valore puramente formale, come il sacramentum iudicare, ma con la condemnatio pecuniaria, che a quella pretesa dà diretta soddisfazione: il giurato non soltanto iudicat, ma, con ciò stesso, condemnat" (GIOFFREDÌ, Carlo, Diritto e processo nelle antiche forme romane, cit., p. 168).
93 Como já mencionado em linhas anteriores, a noção de populus Romanus de alguma forma substituiu o papel da religião nas instituições de Roma, com importantes desdobramentos no âmbito do direito.
94 GIOFFREDÌ, Carlo, Diritto e processo nelle antiche forme giuridiche romane, cit., p. 159.

Extraído do CD Magister 28, ago/set 2009