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28 novembro 2008

A TECNOLOGIA (AINDA) NÃO É TUDO

Para amainar os ânimos nesta sexta-feira, dia de amenidades, segue mais uma piada colhida da internet para demonstrar que a vida é muito mais complexa do que pode expressar nossa vã filosofia...



Um homem desempregado entra num concurso da Microsoft para ser faxineiro. O Gerente de RH o entrevista, faz um teste (varrer o chão) e lhe diz:


- O serviço é seu. Me dê seu e-mail e eu lhe enviarei a ficha para preencher, e a data e hora em eu deverá se apresentar para o serviço.

O homem, desesperado, responde que não tem computador, e muito menos, e-mail. O Gerente de RH, disse que lamenta, mas se não tiver e-mail, quer dizer que virtualmente não existe, e, como não existe, não pode ter o trabalho.

O homem sai desesperado, sem saber o que fazer. Tem somente 10 dólares no bolso. Resolve então ir ao supermercado e comprar uma caixa de 10 quilos de tomates para revender. Bate de porta em porta vendendo os tomates a quilo, e, em menos de duas horas, tinha conseguido duplicar o capital. Repete a operação mais três vezes e volta para casa com US$60.

Então ele verifica que pode sobreviver dessa maneira. Sai de casa cada dia mais cedo e volta cada dia mais tarde, e assim triplica ou quadruplica o dinheiro a cada dia. Pouco tempo depois, compra uma Kombi, depois troca por um caminhão e pouco tempo depois
Chega a ter uma pequena frota de veículos para distribuição.

Passados 5 anos, o homem é dono de uma das maiores distribuidoras de alimentos dos Estados Unidos. Pensando no futuro da sua família, resolve fazer um seguro de vida.Chama um corretor, acerta um plano e quando a conversa acaba, o corretor lhe pede o e-mail para enviar a proposta. O homem disse que não tem e-mail. Curioso, o corretor lhe diz:

- Você não tem e-mail e chegou a construir este império! Imagine o que você seria se tivesse e-mail!!!

O homem pensa e responde:

- Seria faxineiro da Microsoft!!

Humortadela

STF RECEBE DENÚNCIA CONTRA INVESTIGADOS NA VENDA DE DECISÕES JUDICIAIS

Foto Min. Cezar Peluso, relator(Dettmar. SCO.STF)


PRIMEIRA PARTE: EXCEÇÕES, QUESTÃO DE ORDEM E PRELIMINARES


Competência do Supremo: Desmembramento e Conexão - 1



O Tribunal iniciou julgamento de inquérito em que se imputa a magistrados (Ministro do STJ, dois membros do TRF da 2ª Região e um juiz do TRT da 15ª Região) e outros (um procurador regional da República e um advogado, este irmão do aludido Ministro do STJ) a suposta prática dos crimes de quadrilha, corrupção passiva e prevaricação (CP, artigos 288, 317, caput e § 1º, e 319, respectivamente). Alega o Ministério Público Federal que os denunciados compõem, em níveis diversos, uma organização criminosa voltada à exploração ilegal das atividades de bingos e máquinas caça-níqueis no Estado do Rio de Janeiro — Informativo 464. O Tribunal, por maioria, rejeitou preliminar e exceção de incompetência, afirmando sua competência para o processamento do feito, resolveu questão de ordem para determinar o não remembramento dos autos e negou provimento ao agravo regimental interposto contra a decisão que determinara o desmembramento. Esclareceu-se, primeiro, que, na hipótese, não teria havido desmembramento algum de causa, haja vista que a palavra desmembramento teria sido usada com base numa licença retórica, para descrever, simplificadamente, a só extração e remessa de cópias do inquérito, a requerimento do Ministério Público, a outro juízo, que este reputara competente para a supervisão de inquérito autônomo e cognição de eventual ação penal contra pessoas não sujeitas à jurisdição originária desta Corte, por fatos distintos, a cujo respeito não existiria co-autoria em relação aos que seriam objeto da denúncia aqui formulada, nem risco teórico de decisões contraditórias. Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424).


Competência do Supremo: Desmembramento e Conexão - 2

No que se refere à alegação, por meio de exceção de incompetência, de que o STJ seria o tribunal competente para julgar os membros do TRF, asseverou-se que, se a jurisdição especial por prerrogativa de função neste STF, como a mais alta Corte do país, é garantia constitucional do mais justo julgamento a que podem aspirar os titulares dessa prerrogativa, ainda que ditada por regra de conexão incontroversa, o acusado excipiente não teria, sob nenhum argumento nem pretexto, interesse jurídico em renunciar a esse favor constitucional, para ser julgado por um órgão de menor categoria. Ademais, reputou-se não ser possível, nas circunstâncias do caso, ser o excipiente julgado pelo STJ, sobretudo porque, nos precisos termos da denúncia, os fatos a ele atribuídos guardariam nítida e inafastável conexão aos imputados ao Ministro do STJ, que é submisso à jurisdição e competência penal originária desta Corte, diversamente do que ocorre com os réus denunciados perante a 1ª instância, razão pela qual o Supremo seria o juiz natural do acusado excipiente (art. 76 do CPP c/c o art. 102, I, c, da CF). Repeliram-se, também, tanto o argumento de que, sem a reunião de processos, haveria prejuízo da defesa do procurador regional, porque não teria participado da colheita de provas que se dera em 1º grau, onde se apura contra ele o crime de quadrilha, além de sobrevir eventualmente decisões conflitantes, como o pedido formulado pelo último acusado, em questão de ordem, no sentido de que o crime de quadrilha a ele imputado fosse julgado também pelo Supremo, haja vista que, além da conexão probatória existente em relação ao crime de corrupção, haveria evidente continência entre a imputação da quadrilha dirigida contra o seu irmão, e aquela deduzida contra ele no 1º grau. Aduziu-se que, ainda que existisse conexão, tal fato não importaria necessariamente na unidade de processos de julgamento, a teor do disposto no art. 80 do CPP, e considerou-se que, no caso, a denúncia revelaria aqui a independência relativa dos fatos atribuídos aos co-denunciados até quanto à formação de quadrilha que, segundo ela, estaria estruturada em níveis dispostos de acordo com a posição ocupada pelo agente e grau de seu comprometimento com o sucesso da atividade-fim. Ressaltou-se que o Procurador-Geral da República, antes de oferecer a denúncia, requerera o desmembramento do inquérito para evitar o tumulto que, em dano dos próprios acusados e da Administração da Justiça, poderia causar o número excessivo de denunciados na mesma causa. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que, salientando que o desmembramento, no caso, teria sido parcial e heterodoxo, assentava que o Supremo só teria competência para julgar o único detentor de prerrogativa de foro perante esta Corte, ou seja, o Ministro do STJ. Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424).



Interceptação Telefônica: Fundamentação, Prorrogação e Subsidiariedade - 3


Em seguida, também por votação majoritária, o Tribunal afastou as alegações de ilicitude da prova de interceptação telefônica por falta de fundamentação, inviabilidade da prorrogação e violação da regra da subsidiariedade da prova. Afirmou-se que as decisões estariam devidamente fundamentadas nos termos do art. 93, IX, da CF c/c os artigos 4º e 5º da Lei 9.296/96, e que as interceptações telefônicas foram medidas necessárias e absolutamente imprescindíveis às investigações. Registrou-se que, a cada 15 dias, o relator analisava novamente a conveniência de se mantê-las, tendo, por diversas vezes, excluído linhas, incluído terminais, alterado o foco da investigação, no sentido de corresponder às sugestões e aos requerimentos da autoridade policial e do Procurador-Geral da República, o qual se reportava, a cada novo pedido, aos relatórios da inteligência policial. Considerou-se, também, a orientação fixada pelo Supremo no julgamento o HC 83515/RS (DJU de 4.3.2005), no sentido de ser lícita a prorrogação do prazo para interceptação telefônica, ainda que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e o imponha a sua investigação, o que sucedera na espécie. Frisou-se que o prazo máximo de 30 dias para a manutenção da interceptação da comunicação não pode ser injustificadamente alargado, mas pode o magistrado, com outro motivo, e diversa motivação, determinar nova interceptação do mesmo telefone. Repeliu-se, ainda, a assertiva de ofensa ao princípio do juiz natural, por ter o relator determinado, durante o recesso, que as interceptações até então autorizadas não fossem interrompidas, visto que o recesso forense não lhe tiraria a qualidade, a função, nem a competência de relator do caso, pois o Presidente do Tribunal funciona apenas quando o relator não se encontra e, no caso, o relator se encontrava presente. Não se vislumbrou, ademais, na determinação das interceptações, ofensa ao art. 2º, II, da Lei 9.296/96, ao fundamento de que todas as medidas tomadas para apuração dos fatos narrados na denúncia foram sancionadas pela subsidiariedade desse meio para obtenção de prova, sendo óbvio que o envolvimento de magistrados, membros de tribunais, um deles, de Tribunal Superior, implicava a necessidade de se apurar os fatos com rigor perceptivo, de modo que a singularidade e a especificidade da situação demandava um meio excepcional de prova. Enfatizou-se que, sem essas provas, sem indícios mais consistentes, sempre se poderia argüir que se imputava aos ora acusados a mera prática do chamado crime de hermenêutica. Vencido o Min. Marco Aurélio que acolhia a preliminar por entender estar-se diante de prova ilícita, porque extrapolado o prazo de 15 dias, prorrogável por igual prazo, previsto no art. 5º da Lei 9.296/96.Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424).


Escuta Ambiental e Exploração de Local: Escritório de Advogado e Período Noturno - 4

Prosseguindo, rejeitou-se a preliminar de ilicitude da prova de escuta ambiental, por ausência de procedimento previsto em lei. Sustentava a defesa que a Lei 9.034/95 não teria traçado normas procedimentais para a execução da escuta ambiental, razão pela qual a medida não poderia ser adotada no curso das investigações. Entendeu-se não proceder a alegação, tendo vista que a Lei 10.217/2001 deu nova redação aos artigos 1º e 2º da Lei 9.034/95, definindo e regulando meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo. Salientou-se o disposto nesse art. 2º, na redação dada pela Lei 10.217/2001 (“Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: ... IV - a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial;”), e concluiu-se pela licitude da escuta realizada, já que para obtenção de dados por meio dessas formas excepcionais seria apenas necessária circunstanciada autorização judicial, o que se dera no caso. Asseverou-se, ademais, que a escuta ambiental não se sujeita, por motivos óbvios, aos mesmos limites de busca domiciliar, sob pena de frustração da medida, e que, não havendo disposição legal que imponha disciplina diversa, basta a sua legalidade a circunstanciada autorização judicial.Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424)


Escuta Ambiental e Exploração de Local: Escritório de Advogado e Período Noturno - 5

Afastou-se, de igual modo, a preliminar de ilicitude das provas obtidas mediante instalação de equipamento de captação acústica e acesso a documentos no ambiente de trabalho do último acusado, porque, para tanto, a autoridade, adentrara o local três vezes durante o recesso e de madrugada. Esclareceu-se que o relator, de fato, teria autorizado, com base no art. 2º, IV, da Lei 9.034/95, o ingresso sigiloso da autoridade policial no escritório do acusado, para instalação dos referidos equipamentos de captação de sinais acústicos, e, posteriormente, determinara a realização de exploração do local, para registro e análise de sinais ópticos. Observou-se, de início, que tais medidas não poderiam jamais ser realizadas com publicidade alguma, sob pena de intuitiva frustração, o que ocorreria caso fossem praticadas durante o dia, mediante apresentação de mandado judicial. Afirmou-se que a Constituição, no seu art. 5º, X e XI, garante a inviolabilidade da intimidade e do domicílio dos cidadãos, sendo equiparados a domicílio, para fins dessa inviolabilidade, os escritórios de advocacia, locais não abertos ao público, e onde se exerce profissão (CP, art. 150, § 4º, III), e que o art. 7º, II, da Lei 8.906/94 expressamente assegura ao advogado a inviolabilidade do seu escritório, ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência, e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB. Considerou-se, entretanto, que tal inviolabilidade cederia lugar à tutela constitucional de raiz, instância e alcance superiores quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime concebido e consumado, sobretudo no âmbito do seu escritório, sob pretexto de exercício da profissão. Aduziu-se que o sigilo do advogado não existe para protegê-lo quando cometa crime, mas proteger seu cliente, que tem direito à ampla defesa, não sendo admissível que a inviolabilidade transforme o escritório no único reduto inexpugnável de criminalidade. Enfatizou-se que os interesses e valores jurídicos, que não têm caráter absoluto, representados pela inviolabilidade do domicílio e pelo poder-dever de punir do Estado, devem ser ponderados e conciliados à luz da proporcionalidade quando em conflito prático segundo os princípios da concordância. Não obstante a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio, julgou-se ser preciso recompor a ratio constitucional e indagar, para efeito de colisão e aplicação do princípio da concordância prática, qual o direito, interesse ou valor jurídico tutelado por essa previsão. Tendo em vista ser tal previsão tendente à tutela da intimidade, da privatividade e da dignidade da pessoa humana, considerou-se ser, no mínimo, duvidosa, a equiparação entre escritório vazio com domicílio stricto sensu, que pressupõe a presença de pessoas que o habitem. De toda forma, concluiu-se que as medidas determinadas foram de todo lícitas por encontrarem suporte normativo explícito e guardarem precisa justificação lógico-jurídico constitucional, já que a restrição conseqüente não aniquilou o núcleo do direito fundamental e está, segundo os enunciados em que desdobra o princípio da proporcionalidade, amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Eros Grau, que acolhiam a preliminar, ao fundamento de que a invasão do escritório profissional, que é equiparado à casa, no período noturno estaria em confronto com o previsto no art. 5º, XI, da CF.Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424)


Transcrição do Conteúdo Integral das Gravações e Desnecessidade - 6

Rejeitou-se, também por maioria, a preliminar de cerceamento de defesa em razão da ausência de transcrição completa de todas as gravações. Reportou-se ao que decidido no HC 91207 MC/RJ (DJE de 21.9.2007), no sentido da desnecessidade da juntada do conteúdo integral das degravações realizadas nos autos do inquérito, por bastar que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida, não configurando, essa restrição, ofensa ao princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LV). Asseverou-se que a transcrição por escrito de todas as gravações geraria uma quantidade tal de papel que tornaria só a sua leitura mais dificultosa do que a análise dos documentos gravados em mídia eletrônica, num trabalho que levaria anos, o que poderia ensejar, inclusive, a prescrição da pretensão punitiva de todos os crimes teóricos. Além disso, ressaltou-se que todos os defensores receberam a mídia eletrônica de toda a documentação do processo, dos autos principais e do apenso. O Min. Ricardo Lewandowski lembrou, no ponto, que a defesa, após receber cópia integral, em áudio, de todos os diálogos captados mediante as interceptações telefônicas, teve aberto novo prazo para se manifestar. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Gilmar Mendes, Presidente, que reputavam indispensável a degravação da fita e a feitura da seleção preconizada na lei, expungindo-se o que não interessa à investigação, para ter-se a abertura de oportunidade às partes se defenderem, conhecendo, de forma concreta, numa visão da totalidade, o que existe ou não em termos de elementos probatórios. Por fim, repeliu-se a preliminar de cerceamento de defesa por ausência de laudos dos objetos e documentos apreendidos, haja vista que a denúncia não teria se baseado em nenhum desses laudos faltantes. Após, o julgamento foi suspenso.Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424)
Fonte: STF- Informativo 529



SEGUNDA PARTE: DECISÃO SOBRE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA


O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu abrir ação penal contra os cinco investigados no Inquérito 2424. Eles responderão a processos criminais na Corte por participação no esquema de venda de decisões judiciais que beneficiavam os empresários de bingos e jogos ilegais do Rio de Janeiro. O ministro afastado do Superior Tribunal de Justiça Paulo Geraldo de Oliveira Medina responderá perante o STF por corrupção passiva e prevaricação (condição em que o agente público age ou deixa de agir por ter um interesse pessoal no assunto). A denúncia estima que o magistrado tenha recebido cerca de R$ 1 milhão para emitir decisões que liberavam máquinas de caça-níqueis no Rio. O Tribunal arquivou a acusação de que Paulo Medina teria cometido o crime de quadrilha ou bando. Os ministros indeferiram, também, o pedido de prisão preventiva do magistrado. No entanto, ele continuará afastado do cargo no STJ até que todo o caso seja investigado, como prevê o artigo 29 da Lei Orgânica da Magistratura.

Seu irmão, o advogado Virgílio de Oliveira Medina – apontado como intermediador do esquema de corrupção – será processado por corrupção passiva em concurso de pessoas pelo STF. Também o ex-vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) desembargador José Eduardo Carreira Alvim ficará longe do cargo até que o caso seja julgado na Ação Penal. Carreira Alvim será julgado pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção passiva – qualificadas por concurso material (cometimento de dois crimes ao mesmo tempo). Já o procurador regional da República João Sérgio Leal Pereira responderá por quadrilha. O Plenário não se pronunciou sobre seu afastamento do cargo porque não entende que a Lei Orgânica da Magistratura, que prevê a suspensão temporária da atividade no artigo 29, seja aplicável aos membros do Ministério Público.

A suspeita de formação de quadrilha também é a acusação que pesará contra o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho de SP Ernesto da Luz Pinto Dória. Ele já esteve preso e foi solto em razão de um hábeas corpus do Supremo.

Confira o resumo do resultado final do julgamento quanto ao recebimento da denúncia:
1) Paulo Medina (ministro afastado do STJ):
Denúncia recebida: Corrupção passiva (317 do Código Penal) - pena: 2 a 12 anos de reclusão e multa; Prevaricação (319 do Código Penal) - pena: 3 meses a 1 ano e multa. Denúncia rejeitada: Quadrilha ou Bando (288 do Código Penal) - pena: 1 a 3 anos.
2) Carreira Alivim (Desembargador Federal do TRF-2):

Denúncia recebida: Corrupção passiva (317 do Código Penal) - pena: 2 a 12 anos de reclusão e multa; Quadrilha ou Bando (288 do Código Penal) - pena: 1 a 3 anos.
3) João Sérgio Leal (Procurador Regional da República):

Denúncia recebida: Quadrilha ou Bando (288 do Código Penal) - pena: 1 a 3 anos. 4)
4) Ernesto Dória (Juiz do TRT-15):

Denúncia recebida: Quadrilha ou Bando (288 do Código Penal) - pena: 1 a 3 anos.

5) Virgílio Medina (Advogado e irmão de Paulo Medina):

Denúncia recebida: Corrupção passiva (317 do Código Penal) - pena: 2 a 12 anos de reclusão e multa.



DECISÕES COMPLEMENTARES:

O pedido de prisão preventiva dos acusados foi indeferido, determinando-se, no entanto, o afastamento cautelar dos magistrados.

Fonte: STF Notícias

27 novembro 2008

NOVA LEI PUNE PEDOFILIA NA INTERNET COM MAIS RIGOR

O presidente Lula sancionou anteontem (25) a Lei n. 11.829 criada pela CPI da Pedofilia para punir pornografia infantil na Internet. A assinatura da lei aconteceu durante a abertura do 3º Congresso Mundial para o Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Rio de Janeiro. No discurso o presidente classificou de “animalescos” os atos sexuais de adultos contra crianças e disse que o tema deve ser tratado sem hipocrisia.


O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), que abriu a solenidade, também ressaltou a importância da participação de toda a sociedade no enfrentamento à exploração sexual de jovens e crianças. "Enquanto tolerarmos, em nossos países, essa violência contra nossas crianças, estaremos longe de concretizar o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos", afirmou Vannuchi.Cerca de 3 mil pessoas, inclusive jovens e adolescentes, de mais de 130 países participam do congresso que será realizado até sexta-feira (28).


Fonte: Ag. Brasil

Veja abaixo o texto integral da nova lei.



LEI Nº 11.829, DE 25 DE NOVEMBRO DE 2008


Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Os arts. 240 e 241 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação:


Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1o Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena.
§ 2o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime:
I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la;
II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou
III – prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento.” (NR)


Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.” (NR)


Art. 2o A Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 241-A, 241-B, 241-C, 241-D e 241-E:

Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo;
II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.
§ 2o As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1o deste artigo são puníveis quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo.



Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1o A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o material a que se refere o caput deste artigo.
§ 2o Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por:
I – agente público no exercício de suas funções;
II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos crimes referidos neste parágrafo;
III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou serviço prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário.
§ 3o As pessoas referidas no § 2o deste artigo deverão manter sob sigilo o material ilícito referido.


Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material produzido na forma do caput deste artigo.


Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:
I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso;
II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita.


Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.”


Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 25 de novembro de 2008; 187o da Independência e 120o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro
Dilma Rousseff

26 novembro 2008

DEBATE SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA CARTA MAGNA

A matéria abaixo, remetida por RMG e extraída do UOL-Tendências/Debates, mostra um pouco da discussão que se trava em torno da interpretação da Constituição Federal no Brasil e de quem seja seu abalizado intérprete.



Foto de Carl Schmitt
retirada do site sauerlaender-heimatbund.de



Leia e reflita:


A história, sempre ela, o melhor arbitro. Abaixo, um texto para nos localizarmos dentro da discussão da "interpretação aberta". Sua origem fala por sí mesma. A disputa histórica se deu entre dois dos mais notáveis juristas europeus do início do século XX, e a de hoje se dá entre membros do judiciário e traz a contradição própria da discussão motivada pela vaidade e pelo casuísmo. Os adeptos de SCHMITH se esquecem que ele "negava ao Judiciário o título de guardião da constituição". O que se pretende, hoje, é trocar o Presidente do Reich pelo "Juiz", como o único que tem legitimidade para desempenhar semelhante função.



Carl Schmitt - O filósofo entre Fausto De Sanctis e Gilmar Mendes
Por Daniel Roncaglia

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Schmitt negava ao Judiciário o título de guardião da constituição. Segundo sua concepção, somente o Presidente do Reich teria legitimidade para desempenhar semelhante função.
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O juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, revelou que as divergências com o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, ultrapassam o campo político e esbarram no filosófico. Em um evento que aconteceu na segunda-feira (10/11), no Rio de Janeiro, Sanctis levantou a platéia ao mostrar sua visão sobre o Direito Constitucional.

Segundo o juiz, "a Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso, contém um resumo das nossas idéias. Não é possível inverter e transformar o povo em modelo e a Constituição em representado”.

"A Constituição tem o seu valor naquele documento, que não passa de um documento; nós somos os valores, e não pode ser interpretado de outra forma: nós somos a Constituição, como dizia Carl Schmitt", completou De Sanctis, segundo reportagem da Folha de S. Paulo, desta terça-feira (11/11).

Carl Schmitt é um filósofo alemão que viveu de 1888 a 1985. Tem na sua biografia uma obra jurídica notável e uma ficha de adesão ao nazismo a partir de 1933. Ele nunca se retratou de sua filiação ao partido de Adolf Hitler.

Uma de suas principais obras é o livro O Guardião da Constituição, publicado em 1929, que agitou o debate jurídico da Alemanha no começo dos anos 30. Em linhas gerais, ele questiona nessa obra o papel do Judiciário como guardião da Constituição. Para ele, somente o presidente do Reich poderia desempenhar essa função, pois o povo é quem o escolhe.

Para Schmitt, o presidente, alicerçado pelo artigo 48 da Constituição de Weimar, representa a unidade da autoridade política que traz consigo os anseios sociais do povo. Schimitt também entende que a revisão dos atos legislativos por um tribunal independente é uma afronta clara à soberania estatal.

Schmitt diz que a idéia de Constituição não se equipara a um simples conjunto de leis constitucionais. O filósofo afirma que a Constituição é a decisão consciente de uma unidade política concreta que define a forma e o modo de sua existência. O livro de Schmitt foi ampliado em 1931. No mesmo ano, o filósofo austro-americano Hans Kelsen publicou uma reposta com o título Quem deve ser o guardião da Constituição?. Nela, Kelsen destaca a importância de um Tribunal Constitucional para uma democracia moderna. Foi inspirado em Kelsen que a Áustria escreveu a sua Constituição de 1920, que criava uma Corte Constitucional com o poder de fazer o controle concentrado de constitucionalidade.

"Como poderia o monarca, detentor de grande parcela ou mesmo de todo o poder do Estado, ser instância neutra em relação ao exercício de tal poder, e a única com vocação para o controle de sua constitucionalidade?", questiona Kelsen.

A disputa intelectual dos dois chegou ao Tribunal do Estado no caso Prússia contra Reich. No dia 25 de outubro de 1932, a tese de Schmitt foi a vencedora e o tribunal negou-se o poder para definir os limites de atuação do presidente e do chanceler. Em janeiro de 1933, Adolf Hitler chegou ao cargo de chanceler sem cometer nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade.

Estudioso do processo de controle concentrado de constitucionalidade e com doutorado na Alemanha, o ministro Gilmar Mendes já mostrou publicamente qual é a sua opinião nesse embate entre Kelson e Schmitt.

Em 2006, ele assinou a apresentação da edição em português da obra mestra de Schmitt O Guardião da Constituição, que foi publicada pela editora Del Rey. Para o ministro, a história deu razão a Kelsen. Depois da Segunda Guerra Mundial, a maioria dos países democráticos adotou um sistema como o que defende Kelsen.

"A controvérsia sobre a jurisdição constitucional, ápice de uma disputa entre dois dos mais notáveis juristas europeus do início do século XX, mostra-se relevante ainda hoje. O debate sobre o papel a ser desempenhado pelas Cortes Constitucionais, atores importantes e, às vezes, decisivos da vida institucional de inúmeros países na atualidade, obriga os estudiosos a contemplarem as considerações de Schmitt (e, inequivocamente, as reflexões de Kelsen) a propósito do tema”, afirma Gilmar Mendes, no texto.

Leia a apresentação do livro O Guardião da Constituição, por Gilmar Mendes:

APRESENTAÇÃO

Tenho a honra de apresentar mais uma importante obra da Coleção Del Rey Internacional, desta feita "O Guardião da Constituição" (Der Hüter der Verfassung) , da autoria do eminente pensador alemão, o Prof. Carl Schmitt.
Referido trabalho foi publicado, inicialmente, em 1929, sob o título "Das Reichgerichts als Hüter de Verfassung" . Em 1931, Carl Schmitt publicou versão ampliada daquelas reflexões, denominada “Der Hüter der Verfassung”.
Na referida obra, Schmitt questionava o papel do Judiciário como guardião da Constituição. Schmitt negava ao Judiciário o título de guardião da constituição. Segundo sua concepção, somente o Presidente do Reich teria legitimidade para desempenhar semelhante função.
Hans Kelsen, ainda em 1931, respondeu diretamente ao artigo de Schmitt, ao publicar um ensaio intitulado Quem deve ser o guardião da Constituição? (Wer soll der Hüter der Verfassung sein?)1. Na ocasião, reafirmou a importância de um Tribunal Constitucional para uma democracia moderna, em franca defesa de uma de suas criações, a Corte Constitucional austríaca, instituída em 1920, já destacada na célebre conferência sobre a jurisdição constitucional Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbarkeit (Essência e Desenvolvimento da Jurisdição Constitucional) proferida em Viena, em 1928, perante a Associação dos Professores Alemães de Direito Público (Vereinigung der Deutschen Staats¬rechtslehrer). Assim se manifestou quanto à proposta de Carl Schmitt de emprestar ao Presidente do Reich a legitimidade para "guardar" a constituição, em detrimento da Corte Constitucional: "[...] para tornar possível a noção de que justamente o governo – e apenas ele – seria o natural guardião da Constituição, é preciso encobrir o caráter de sua função. Para tanto serve a conhecida doutrina: o monarca é – exclusivamente ou não – uma terceira instância, objetiva, situada acima do antagonismo (instaurado conscientemente pela Constituição) dos dois pólos de poder, e detentor de um poder neutro. Apenas sob esse pressuposto parece justificar-se a tese de que caberia a ele, e apenas a ele, cuidar que o exercício do poder não ultrapasse os limites estabelecidos na Constituição. Trata-se de uma ficção de notável audácia, se pensarmos que no arsenal do constitucionalismo desfila também outra doutrina segunda a qual o monarca seria de fato o único, porque supremo, órgão do exercício do poder estatal, sendo também, particularmente, detentor do poder legislativo: do monarca, não do parlamento, proviria a ordem para a lei, a representação popular apenas participaria da definição do conteúdo da lei. Como poderia o monarca, detentor de grande parcela ou mesmo de todo o poder do Estado, ser instância neutra em relação ao exercício de tal poder, e a única com vocação para o controle de sua constitucionalidade? 2
E prosseguiu em sua crítica.
"(...) quando na Constituição de Weimar se prevê, ao lado de outras garantias, o presidente do Reich como garante da Constituição, manifesta-se a verdade elementar de que essa garantia só pode representar uma parte das instituições de proteção da Constituição e que seria uma sumária superficialidade esquecer, em função do presidente do Reich atuando como garante da Constituição, os estreitíssimos limites desse tipo de garantia e as muitas outras espécies e métodos de garantia constitucional!3
Já a crítica de Schmitt ao positivismo alemão tradicional estava claramente ligada a uma rejeição muito mais ampla do autor em relação a toda uma estrutura estatal que ele fatalmente caracterizava como burguesa. Para um pensador que tinha convicção de que todo o conceito de direito é fundamentalmente político, a pretensa neutralidade do positivismo de Laband e da Teoria Pura de Kelsen não passava de um reflexo disfarçado dos ideais liberais na filosofia política e jurídica, visando garantir a segurança e liberdades burguesas perante o Estado. É principalmente a partir de sua visão antiliberal que Schmitt construirá seu "Der Hüter der Verfassung" (O Guardião da Constituição).
Segundo Schmitt, a criação ou o reconhecimento de um Tribunal Constitucional, por outro lado, transfere poderes de legislação para o Judiciário, politizando-o e desajustando o equilíbrio do sistema constitucional do Estado de Direito.
A recusa de Schmitt em aceitar um controle concentrado de constitucionalidade encontra sua origem na própria concepção que o autor alemão fazia de Constituição. Para Schmitt, a idéia de Constituição não se equipara a um simples conjunto de leis constitucionais. A Constituição seria, na verdade, a decisão consciente de uma unidade política concreta que define a forma e o modo de sua existência.
De acordo com o pensador alemão, o princípio político que guiava a Constituição de Weimar era o princípio da democracia. A democracia de Schmitt, contudo, não se assemelha em nada à democracia kelseniana, que via na maioria um instrumento útil para a realização da idéia básica da democracia: a liberdade. Para Schmitt, só há uma idéia verdadeiramente democrática: a igualdade, que é fundamento de todas as outras igualdades.
No que concerne à jurisdição constitucional, tanto Schmitt como Kelsen atingiam conclusões bem distantes de seus pontos de partida. Enquanto Kelsen, que se reconhecia como herdeiro da tradição labandiana, projetara e desenvolvera um sistema concentrado de controle de constitucionalidade que contrariava frontalmente os princípios do positivismo legal do século XIX, Schmitt, que sempre construía suas obras em contraposição a uma imagem da teoria positivista liberal, acabara por chegar justamente ao posicionamento defendido por Laband cinqüenta anos antes: a revisão dos atos legislativos por um tribunal independente é uma afronta clara à soberania estatal.
Miguel Herrera bem ilustrou essa dicotomia:
"Refiriéndose a los trabajos de Kelsen de esse período, Schmitt impugna la tesis normativista de la identidad entre orden jurídico y Estado, señalando que el método kelseniano desarrolla la vieja negación liberal del Estado por medio del derecho. Según el jurista alemán, Kelsen funda su teoría del Estado en una crítica del concepto de "sustancia", que es propio de las ciencias naturales, constituyendo una metafísica monista que expulsa la excepción y lo arbitrario. De acuerdo con Schmitt, por el contrario, la situación excepcional pertenece al derecho, siendo definido el Estado por el monopolio de la decisión. En el caso excepcional "la existencia del Estado conserva la superioridad sobre la validez de la norma jurídica", es allí donde la decisión se libera de toda obligación formativa y la norma "se reduce a nada" .4 Vencedor do embate judicial realizado no caso "Prússia contra Reich", Carl Schmitt também ganhara, aparentemente, a disputa intelectual sobre quem realmente deveria ser o guardiã da constitucional.
Em decisão de 25 de outubro, o Tribunal do Estado negara-se a definir os limites da atuação do Presidente e de seu Chanceler. Ambos ficaram livres, assim, para agirem contra as poucas instituições democráticas de Weimar que ainda desempenhavam algum papel relevante no cenário político alemão de 1992.
A história mostraria, contudo, que a vitória de Schmitt não era definitiva. Três meses após a decisão do caso "Prússia contra Reich", Hitler chegava ao poder sem romper com nenhum aspecto de legalidade existente à época.
Concretizava-se, em certo sentido, a previsão de Schmitt: o sistema político de Weimar permitiria que seu maior inimigo assumisse o poder e destruísse, de dentro do sistema, todo o regime constitucional de 1919.
A história parecia dar alguma razão a Kelsen!
Na famosa conferência proferida perante a Associação dos Professores Alemães de Direito Público Kelsen deixou claro que a jurisdição constitucional haveria de ter um papel central em um sistema democrático moderno:
"Contra as muitas censuras que se fazem ao sistema democrático ? muitas delas corretas e adequadas ?, não há melhor defesa senão a da instituição de garantias que assegurem a plena legitimidade do exercício das funções do Estado. Na medida em que amplia o processo de democratização, deve-se desenvolver também o sistema de controle. É dessa perspectiva que se deve avaliar aqui a jurisdição constitucional. Se a jurisdição constitucional assegura um processo escorreito de elaboração legislativa, inclusive no que se refere ao conteúdo da lei, então ela desempenha uma importante função na proteção da minoria contra os avanços da maioria, cuja predominância somente há de ser aceita e tolerada se exercida dentro do quadro de legalidade.
A exigência de um quorum qualificado para a mudança da Constituição traduz a idéia de que determinadas questões fundamentais devem ser decididas com a participação da minoria. A maioria simples não tem o direito de impor a sua vontade? pelo menos em algumas questões ? à minoria. Nesse ponto, apenas mediante a aprovação de uma lei inconstitucional poderia a maioria afetar os interesses da minoria constitucionalmente protegidos. Por isso, a minoria, qualquer que seja a sua natureza ? de classe, de nacionalidade ou de religião? tem um interesse eminente na constitucionalidade da lei.
Isto se aplica, sobretudo, em caso de mudança das relações entre maioria e minoria, se uma eventual maioria passa a ser minoria, mas ainda suficientemente forte para obstar uma decisão qualificada relativa à reforma constitucional. Se se considera que a essência da democracia reside não no império absoluto da minoria, mas exatamente no permanente compromisso entre maioria e minoria dos grupos populares representados no Parlamento, então representa a jurisdição constitucional um instrumento adequado para a concretização dessa idéia. A simples possibilidade de impugnação perante a Corte Constitucional parece configurar instrumento adequado para preservar os interesses da minoria contra lesões, evitando a configuração de uma ditadura da maioria, que, tanto quanto a ditadura da minoria, se revela perigosa para a paz social”.5
Tal como anota Pedro de Veja García, a tese de Kelsen se impôs à maioria dos estados democráticos a partir da Segunda Guerra Mundial:
"Bien es verdad que, a partir de la Segunda Guerra Mundial, las tesis de Kelsen se imponen en la praxis constitucional de la mayoría de los estados democráticos con resultados positivos y encomiables. Ahí está el ejemplo de la Corte Constitucional italiana, del Tribunal Constitucional alemán o del todavía reciente Tribunal Constitucional español. Sin embargo, no es menos cierto que las cuestiones sobre la legitimidad, funcionalidad y coherencia de la Justicia Constitucional distan mucho de haber sido definitivamente dilucidadas.” 6
A controvérsia sobre a jurisdição constitucional, ápice de uma disputa entre dois dos mais notáveis juristas europeus do início do século XX, mostra-se relevante ainda hoje. O debate sobre o papel a ser desempenhado pelas Cortes Constitucionais, atores importantes e, às vezes, decisivos da vida institucional de inúmeros países na atualidade, obriga os estudiosos a contemplarem as considerações de Schmitt (e, inequivocamente, as reflexões de Kelsen) a propósito do tema.
Como se sabe, tais controvérsias manifestam-se sob formas diversas, referindo-se aos limites da jurisdição constitucional, à jurisdição constitucional e democracia, à jurisdição constitucional e política, à jurisdição constitucional e divisão de poderes, para ficarmos em alguns exemplos que têm ocupado a moderna teoria constitucional. A atualidade dessa discussão vê-se, v.g., na multicitada obra de Habermas, Faticidade e Validade (Faktizität und Geltung), que dedica um capítulo ao estudo sobre a legitimidade da jurisprudência constitucional, tendo por leitmotiv as reflexões de Schmitt em o “Defensor da Constituição”.
Parecem evidentes, assim, a importância e atualidade da obra que a Editora Del Rey coloca ao alcance dos estudiosos de Direito Público no Brasil.
Professor Gilmar Mendes
Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal
Setembro de 2006


Notas

Em português, o texto dessa apresentação ganhou o nome de "A Jurisdição Constitucional". Publicada pela Editora Martins Fontes, em fevereiro de 2003, a edição combina oito títulos da autoria de Hans Kelsen, dispostos em ordem cronológica.
2 Kelsen, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.241-242.
3 Kelsen, Hans. Jurisdição Constitucional, cit. p.287-288.
4 Herrera, Miguel. La polémica Schmitt-Kelsen sobre el guardián de la Constitución, trabalho publicado na Revista de Estúdios Políticos, no. 86, 1994, p.195-227.
5 Kelsen, Hans. Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbarkeit, VVDStRL 5, 1928, p. 80-81; Cf. também tradução italiana de Geraci, Carmelo. La Garanzia giurisdizionale della Constituzione, in: La giustizia costituzionale, Milão, 1980, p. 144 (201-203).
6 Veja García, Pablo. Prólogo à obra de Schmitt. In: Schmitt, Carl. La defensa de la Constitución.2.ed. Madrid:Tecnos, 1998, p. 22-23.

TENDÊNCIAS/DEBATES

Nós, os juízes: deuses ou cidadãos?
KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE



A concepção adotada revela a visão absolutamente distorcida da democracia e do verdadeiro papel do juiz em uma ordem democrática.

QUANDO INGRESSEI na magistratura, em janeiro de 1989, um magistrado que, na época, não aceitava bem a idéia de que mulheres pudessem fazer parte do Judiciário, disse em tom de chiste que não concebia mulher judicando porque, afinal, Deus era homem e, assim, os juízes só poderiam ser do sexo masculino. Acrescentou, com o gesto de uma lactante: imaginem uma mamada entre um despacho e outro! Não sei o que mais me chocou, se a discriminação contra as mulheres, que eram em número reduzidíssimo, ou se o fato de, ainda que em tom de brincadeira, algum juiz pudesse se considerar um ser divino -portanto, com poderes absolutos e ilimitados. Essas lembranças vieram à tona ao ler na edição da Folha de 11/11 uma frase que teria sido dita por um juiz: "A Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso ( ...) não passa de um documento; nós somos os valores, e não pode ser interpretado de outra forma: nós somos a Constituição, como dizia Carl Schmitt". Teria ainda acrescentado que determinados delitos "obrigam à adoção de atitudes não-ortodoxas". A idéia de que cada juiz é a própria Constituição ou o verdadeiro soberano encarna o totalitarismo do qual a humanidade foi vítima recente. Valiosa a lição de Roberto Romano, que, referindo-se a Carl Schmitt, diz: "Escutemos nosso realista: "o führer defende o Direito contra os piores abusos quando, no instante do perigo e em virtude das atribuições de supremo juiz, as quais, enquanto führer, lhe competem, cria diretamente o Direito". O magistrado sublime decide: certos indivíduos, grupos, setores sociais, étnicos e religiosos são amigos ou inimigos. Dadas as premissas, conhecemos as conseqüências. É relativamente fácil recuar, horrorizados, diante do decisionismo jurídico. Suas mãos mostram excrementos de sangue" (prefácio de "Razão Jurídica e Dignidade Humana", de Marcio Sotelo Felippe). A concepção adotada revela a visão absolutamente distorcida da democracia e do verdadeiro papel do juiz em uma ordem democrática. Os juízes e o Judiciário estão subordinados ao povo, nos termos do ordenamento jurídico democraticamente construído, e não podem se sobrepor a isso supondo-se eles mesmos o espírito do povo. É a "polis" que determinou, na Constituição e nos tratados internacionais, qual é a sociedade que almeja, sob quais princípios, fundamentos e patamares éticos. O juiz não substitui essas diretrizes pelas suas. No que tange à matéria penal e processual penal, inaceitável supor conduta "não-ortodoxa", pois são temas em que é intensa a intervenção do Estado no plano da liberdade. Os limites são rígidos e não podem ser ultrapassados, muito menos por um juiz que tem como função evitar que órgãos públicos ou privados, sob qualquer pretexto, os violem. Mas o bom combate contra tais concepções não pode servir de pretexto para uma investida contra a liberdade de expressão. Vislumbra-se esse risco em debates recentes no próprio Judiciário. A liberdade de expressão é cláusula pétrea da Constituição. A Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que toda pessoa terá o direito à liberdade de expressão, que inclui a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteira. Reafirmando esse princípio, a corte interamericana sustentou (opinião consultiva número 5/85) que: "A liberdade de expressão é pedra angular da existência mesma de uma sociedade democrática. É indispensável para a formação da opinião pública. É também condição "sine qua non" para que os partidos políticos, os sindicatos, as sociedades científicas e culturais e quem em geral deseje influir sobre a coletividade possam se desenvolver plenamente. É, enfim, condição para que a comunidade, na hora de fazer escolhas, esteja suficientemente informada. Assim, é possível afirmar que uma sociedade que não está bem informada não é plenamente livre". Os juízes, evidentemente, gozam dos mesmos atributos dos demais seres humanos. No 7º Congresso das Nações Unidas, o tema mereceu especial destaque, estabelecendo a organização dos princípios básicos relativos à independência judicial, dentre eles a normativa de que de juízes, assim como dos demais cidadãos, não podem ter subtraídos os direitos de liberdade de expressão, associação, crença e reunião, preservando a dignidade de suas funções e a imparcialidade e independência da judicatura. Magistrados, de qualquer instância, não são deuses, não criam nem destroem, devem garantir o sistema democrático.

KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE é juíza de direito em São Paulo, co-fundadora e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia.


Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

25 novembro 2008

ADVOGADO NEGLIGENTE RESPONDE POR DANOS MORAIS E MATERIAIS


O Colendo Superior Tribunal de Justiça acaba de decidir que o advogado pode ser processado e responder por danos materiais e morais pelo cliente em caso de agir com negligência.

Muito embora reconhecendo que a obrigação do advogado não é de resultado, mas de meio, ou seja, não esteja vinculado ao sucesso ou insucesso da causa, pode também ser acionado, conforme o caso, pela teoria da perda da chance.

Pelo que dá para apreender do texto da matéria a questão “perda da chance” não foi objeto de recurso, mas foi considerada mais uma possibilidade de responsabilização do advogado.

Nessa toada, em breve, o advogado vai abrir um processo em prol do cliente e depois outro para dele se defender...

Mesmo porque a perquirição da sutil diferença entre ”improvável” e ”quase certo” é o reino do imponderável.

Vejam a notícia do STJ e confiram:


Advogado negligente pode responder por danos morais e materiais de cliente lesado

O advogado contratado pode ser processado por causar danos morais e materiais ao cliente se houver agido com negligência na condução do processo. A conclusão foi manifestada em voto da ministra Nancy Andrighi, durante julgamento na Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O recurso especial era da cliente de um advogado de Minas Gerais. O recurso não foi conhecido, pois não foram demonstradas as violações de leis federais apontadas pela cliente lesada.

Na ação de indenização, ela alegou que o advogado teria agido com negligência numa ação reivindicatória movida contra ela, por dois motivos. O primeiro, ele não teria defendido adequadamente seu direito de retenção por benfeitorias, o que teria causado a perda do imóvel em disputa. Em segundo, o advogado teria deixado transcorrer o prazo para apelação sem se manifestar.

A Justiça estadual mineira considerou o pedido parcialmente procedente, somente para condenar o advogado ao pagamento de danos morais fixados em R$ 2 mil. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) ainda destacou que foi um “erro crasso” do advogado a perda do prazo recursal, já que a cliente manifestou vontade de recorrer.


No STJ, a ministra Nancy Andrighi destacou a natureza contratual do vínculo do advogado com o cliente. No entanto, ressaltou que a obrigação do profissional não é de resultado, mas de meio. Quer dizer que, ao aceitar a causa, o advogado obriga-se a conduzir o processo com diligência, mas não tem dever de entregar resultado certo.


Perda da chance


No entanto, de acordo com a ministra relatora, ainda que não precise responder pela perda da causa, a jurisprudência aceita a aplicação da teoria da perda da chance, dependendo do caso. Isto é, “trazer para o campo do ilícito aquelas condutas que minam, de forma dolosa ou culposa, as chances, sérias e reais, de sucesso às quais a vítima fazia jus”. A adoção da teoria da perda da chance exige que o Judiciário saiba diferencia ”improvável” do ”quase certo”.


No processo em julgamento, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) considerou que não houve negligência do advogado quando à retenção por benfeitorias. A ministra Nancy entendeu que analisar esse ponto revolveria fatos e provas, o que não é possível ao STJ. Além disso, posteriormente à ação perdida pela cliente, foram movidas outras duas a respeito do mesmo imóvel, em razão das quais ela recebeu valores indenizatórios referentes a benfeitorias e aluguéis, descaracterizando a perda da chance. O resultado foi a não-ocorrência de dano material, neste caso especificamente.


Quanto à perda do prazo, no entanto, foi constatada a negligência do advogado e, por isso, o TJMG mandou indenizar por dano moral. Para a ministra relatora, houve conseqüências não-patrimoniais da perda de prazo, já que isso retirou da cliente a chance de continuar vivendo na residência que, por longo período, foi sua casa. Por isso, foi correta a condenação do advogado pelos danos morais.


Fonte: STJ -24/11/2008

24 novembro 2008

O ADVOGADO DOS PIORES CRIMINOSOS DO MUNDO

Semana passada o blog falou na origem do advogado do diabo e não é que ele ainda existe de verdade e é o advogado mais famoso do mundo?

Ele nasceu em 05 de março de 1925 em Vila Nova de Gaia, na Tailândia, sendo filho de um diplomata francês e de uma tailandesa. Cresceu em Reunião, um protetorado francês. Lutou na resistência francesa sob o comando de Charles de Gaulle contra a ocupação nazista. Formou-se na Universidade de Paris. Ele se considera sem princípios e escreveu um livro auto-biográfico intitulado “O Bastardo Brilhante”. Seu nome é JACQUES VERGÈS.



E virou tema do premiado documentário O Advogado do Terror (L’Avocat de la Terreur, França, 2007), dirigido pelo cineasta Barbet Schroeder.

Sob o título de “Defensor dos Indefensáveis”, o blog de cinema do globo, traz matéria de Carlos Alberto Mattos, de onde foram obtidas informações e a foto constante deste post.

A revista
veja, edição 2068, de 9.7.2008, também noticia o lançamento do documentário, sob o título “O advogado de Monstros” escrito pela jornalista Isabela Boscov, de onde foram extraídos os seguintes trechos:


...
Durante o longo processo [defesa de argelinos acusados de assassinato pelo governo francês durante a luta pela libertação da Argélia], Vergès se valeu de um tipo de defesa até hoje em voga entre réus de tribunais internacionais, como o ditador iraquiano Saddam Hussein: recusar-se a reconhecer o mérito dos procedimentos e a autoridade do juiz e do júri, devolvendo contra eles as acusações de abuso e assassinato.[Nota do blog].
.......

Essa trajetória sinistra é o tema do documentário O Advogado do Terror (L’Avocat de la Terreur, França, 2007), que estréia nesta sexta-feira em São Paulo e no Rio de Janeiro. Dirigido pelo cineasta de origem alemã Barbet Schroeder, que em 1974 fez trabalho de calibre semelhante sobre o ditador ugandense Idi Amin Dada, o filme colhe testemunhos de dezenas de participantes dessa história. Mas o astro, claro, é o próprio Jacques Vergès, que expõe seus feitos, canta suas glórias e delineia seu "pensamento" em falas de vaidade triunfante. O retrato que emerge desse mosaico é enregelante. Vergès sintetiza em sua própria pessoa um desdobramento nefasto da segunda metade do século XX – a metamorfose da luta anticolonialista no terrorismo indefensável.
.......
O estilo gongórico e a argumentação tresloucadamente ideológica nada têm a ver com a prática do direito, diz o jurista Saulo Ramos, mas consistem apenas em "montar pândegas forenses, em que Vergès se projeta sob a fama de seus clientes para escandalizar os meios de comunicação". Vergès, enfim, é a acepção literal de um "advogado do diabo" – aquele que se candidataria a defender o próprio, por gosto e convicção.


Confira um pequeno triller do documentário com legendas em português, no youtube:




Por fim, a revista alemã Der Spiegel publicou entrevista com “maitre Vergès”, publicada sábado último pelo uol (acesso apenas para assinantes), que ora transcrevemos integralmente. Leia e faça seu julgamento.


22/11/2008
'Não existe essa coisa de mal absoluto', diz
Jacques Vergès, o 'advogado do diabo'

Brita Sandberg e Eric Follath

Ele se encontrou com Mao Tsé-tung, Pol Pot e Che Guevara. Ele defendeu 'Carlos, o Chacal' e o criminoso de guerra nazista Klaus Barbie. Jacques Vergès, 83 anos, provavelmente é o advogado mais famoso do mundo. Seu mais recente cliente é Khieu Samphan, o ex-chefe de Estado do Camboja sob o Khmer Vermelho, que está sendo julgado por crimes de guerra.

Spiegel: Sr. Vergès, o senhor é atraído pelo mal?

Jacques Vergès: A natureza é selvagem, imprevisível e terrivelmente sem sentido. O que distingue os seres humanos dos animais é sua capacidade de falar em prol do mal. O crime é um símbolo de nossa liberdade.

Spiegel: Esta é uma visão de mundo cínica.

Vergès: Uma realista.

Spiegel: O senhor defendeu alguns dos piores assassinos em massa na história recente e foi chamado de "o advogado do diabo". Por que se sente atraído por clientes como Carlos e Klaus Barbie?

Vergès: Eu acredito que qualquer um, independente do que possa ter feito, tem direito a um julgamento justo. O público é sempre rápido a atribuir o rótulo de "monstro". Mas monstros não existem, não existe essa coisa de mal absoluto. Meus clientes são seres humanos, pessoas com dois olhos, duas mãos, um gênero e emoções. Isso é o que os torna tão sinistros.

Spiegel: O que quer dizer?

Vergès: O que era tão chocante a respeito de Hitler, o "monstro", é que ele amava muito a sua cadela e beijava as mãos de suas secretárias - como sabemos a partir da literatura do Terceiro Reich e do filme "Der Untergang" ("A Queda"). O interessante a respeito dos meus clientes é descobrir o que os leva a cometer estas coisas horríveis. Minha ambição é iluminar o caminho que os levou a cometer esses atos. Um bom julgamento é como uma peça de Shakespeare, uma obra de arte.

Spiegel: O senhor está atualmente no palco no Teatro Madeleine, em Paris, como o principal personagem de um monólogo que você escreveu.

Vergès: É a respeito de mim, é claro, sobre a profissão de advogado e a natureza dos julgamentos. Em cada julgamento, um drama se desdobra diante do público, um duelo entre a defesa e a acusação. Ambas contam histórias que não são necessariamente verdadeiras, mas possíveis. No final uma é declarada a vitoriosa, mas isso não necessariamente tem algo a ver com justiça.

Spiegel: Existe alguém que o senhor não defenderia por princípio?

Vergès: Um dos meus princípios é não ter princípios. Este é o motivo para eu não recusar ninguém.

Spiegel: Digamos, Adolf Hitler...

Vergès: Eu teria defendido Hitler. Eu também aceitaria Osama Bin Laden como cliente, até mesmo (o presidente dos Estados Unidos) George W. Bush - desde que se declarasse culpado.

Spiegel: O senhor não pode mencionar seriamente Hitler, Bin Laden e Bush, e seus erros, na mesma frase.

Vergès: Todo crime é único, assim como cada criminoso. Isso por si só torna as comparações impossíveis.

Spiegel: Seu mais recente cliente é Khieu Samphan, o ex-chefe de Estado do infame reino do Khmer Vermelho, um homem com o qual o senhor está ligado por um passado espantoso. O senhor o conheceu em Paris há mais de 55 anos, onde ambos pertenciam a um grupo comunista. Khieu Samphan deverá ser julgado em breve em Phnom Penh, onde enfrentará acusações de genocídio.

Vergès: Não ocorreu genocídio no Camboja.

Spiegel: Sério? Cerca de 1,7 milhão de pessoas morreram em menos de quatro anos em conseqüência do reinado de terror do Khmer Vermelho.

Vergès: Esses números são exagerados. Ocorreram muitos homicídios, e alguns deles são imperdoáveis, o que é algo que meu cliente também diz. E também ocorreu tortura, o que é indesculpável. Todavia, é errado definir isso como genocídio deliberado. A maioria das pessoas morreu em conseqüência de fome e doença.

Spiegel: Mas o regime é o único responsável por essas dificuldades.

Vergès: Isto precisamente não é o caso. Foi conseqüência da política de embargo dos Estados Unidos. A história do Camboja não começou quando o Khmer Vermelho chegou ao poder em 1975. Houve um prólogo sangrento para este processo: os americanos, sob o presidente Richard Nixon e o conselheiro de segurança nacional, Henry Kissinger, sujeitaram a população civil do Camboja a um bombardeio brutal no início dos anos 70.

Spiegel: O senhor poderia convocar Henry Kissinger como testemunha no julgamento do Khmer Vermelho.

Vergès: E me reservo o direito de fazê-lo, mas duvido que ele apareceria. Além disso, nem sei ao certo se o julgamento em Phnom Penh ocorrerá.

Spiegel: Como o senhor pode dizer isso? A ONU e o governo do Camboja já gastaram mais de US$ 50 milhões nos preparativos para o julgamento. O julgamento de Kaing Guek Eav, também conhecido como camarada Duch, que comandou a pior prisão de tortura do Khmer Vermelho, deverá começar em breve.

Vergès: Pode ser que o julgamento do Duch comece em breve, mas não os julgamentos contra os outros quatro prisioneiros: o ex-segundo em comando do Khmer Vermelho, Nuon Chea, os ex-ministros Ieng Sary e Ieng Thirith, e o ex-chefe de Estado, Khieu Samphan. O caso nem chegará a julgamento, porque o tribunal em Phnom Penh já perdeu sua credibilidade e legitimidade.

Spiegel: Por quê?

Vergès: Aqui estão dois exemplos do diletantismo dos promotores: Ieng Sary já foi sentenciado por um tribunal cambojano e perdoado por decreto real em 1996. Colocá-lo em julgamento uma segunda vez, pelos mesmos crimes, contradiz todos os padrões legais. E meu cliente deve ser solto, porque o tribunal ignorou regras básicas de defesa. Apesar de o tribunal reconhecer as três línguas do processo como sendo equivalentes, ele não considerou necessário traduzir para o francês mais que um fragmento dos documentos escritos em khmer. É impossível para mim defender meu cliente sem conhecimento desta evidência...

Spiegel: ...o que o senhor expressou de forma estridente no tribunal de Phnom Penh, antes de abandonar a audiência e bater a porta atrás de você.

Vergès: E até mesmo tive que ouvir um juiz recomendar que meu cliente considerasse a contratação de um novo advogado. Um ultraje!

Spiegel: O senhor é fundamentalmente contrário a políticos serem julgados por assassinato em massa ou violação da lei internacional?

Vergès: Este não é o problema principal. O julgamento, perante o Tribunal de Crimes de Guerra em Haia, de (Slobodan) Milosevic (o ex-presidente sérvio)...

Spiegel: ...criminoso de guerra sérvio, ao qual o senhor também prestou consultoria legal...

Vergès: ...era uma farsa. Este tipo de coisa sempre cheira a justiça do vitorioso. A mesma coisa se aplica aos Julgamentos de Nuremberg, mas pelo menos certas regras foram seguidas a risca lá. Por exemplo, Hjalmar Schacht, o ex-ministro da economia do Reich alemão, foi absolvido de todas as acusações. Meu cliente Khieu Samphan também era responsável pelos assuntos econômicos, mas em comparação a Nuremberg, nós nos vemos em um estado de total ilegalidade perante o tribunal em Phnom Penh. O que está acontecendo aqui beira um linchamento.

Spiegel: Sua grande simpatia visível pelo Khmer Vermelho teria algo a ver com sua história pessoal? O senhor conheceu (o líder do Khmer Vermelho) Pol Pot e Khieu Samphan em Paris, nos anos 50.

Vergès: Eu fui um líder estudantil comunista na época, e estava em contato com muitos estudantes estrangeiros dentro do meio esquerdista. É verdade que também conheci Saloth Sar, que posteriormente passou a se chamar Pol Pot. Ele era um jovem que adorava Rimbaud e ficava profundamente comovido com seus poemas. Ele também tinha senso de humor.

Spiegel: Humor? Ele foi um assassino em massa. Fora Hitler, Mao e Stalin, provavelmente o pior do último século.

Vergès: Uma coisa é clara, que Khieu Samphan era o mais intelectual dos estudantes khmer que estudavam em Paris com bolsas fornecidas pelo rei Sihanouk. Ele escreveu uma dissertação inteligente sobre o desenvolvimento econômico no Camboja. É verdade que eu contribuí, de certa forma, para sua politização. Saloth Sar e Khieu Samphan, como outros, estavam à procura de modelos para conduzir a luta anticolonial em seu país de origem. Khieu Samphan se tornou um marxista.

Spiegel: Quando o senhor o viu de novo?

Vergès: Apenas após 2004. Ele me disse, na época, que esperava enfrentar as acusações. Então fui ao Camboja e nos sentamos por quatro dias em sua casa, próxima da fronteira tailandesa, para chegarmos a uma estratégia de defesa.

Spiegel: E que linha ela segue?

Vergès: Simplesmente, meu cliente nunca ocupou uma posição de autoridade na polícia ou forças de segurança do país. Seu papel era meramente técnico. Como chefe de Estado, ele representava o país, mas não foi responsável pela repressão. Ele é uma pessoa gentil. Ele é inocente.

Spiegel: O senhor realmente acredita nisso?

Vergès: Sim, é claro. Tudo o que ele queria fazer era abolir uma casta política, não os cidadãos que faziam parte dela. Ele era um idealista que buscava idéias revolucionárias. Você sabe, o Ocidente está constantemente tentando censurar a todos, mas deveria fazê-lo quando, como no caso dos Estados Unidos, matou milhares de civis em guerras com a suposta meta de disseminar a democracia, e quando é responsável por coisas como Guantánamo e Abu Ghraib? Ou quando um país como a França está envolvido em tamanha sujeira como na Argélia?

Spiegel: Em 1957, o senhor defendeu muitos membros da Frente Nacional de Libertação (FNL) argelina, ganhando renome como advogado. Seus clientes usavam métodos de terror e revolta contra seus mestres coloniais franceses. O senhor declarou sua solidariedade a eles.

Vergès: Sim, eu lhes disse na época: eu entendo sua raiva, eu entendo sua luta, e apóio o que estão fazendo. Eu também endossei a violência que empregaram. Eu via a FNL como uma agente de resistência.

Spiegel: O senhor sofreu tanto em sua vida a ponto de demonstrar tamanho entendimento dos atos de violência?

Vergès: Sabe, parece estar na moda usar a própria condição de vítima como justificativa para as ações de alguém. Eu abomino isso! É verdade que meu pai teve que renunciar ao seu posto de cônsul na Indochina colonial por ter se casado com uma mulher vietnamita. Ele então nos levou a Reunião, a um departamento de ultramar francês além da costa africana, onde trabalhou como médico. Eu sou uma criatura de origem dual, mas não tive uma existência torturada. Eu não nasci com raiva nas minhas entranhas. Eu apenas adquiri essa raiva sozinho.

Spiegel: Todavia, os filhos protegidos das famílias de Paris provavelmente tiveram experiências diferentes.

Vergès: É claro. Eu conheço discriminação desde minha infância. Certa vez, em Madagascar, eu vi um casal europeu incrivelmente gordo sendo puxado em um riquixá por um homem esquelético local. Quando queriam parar, eles simplesmente chutavam o homem. Eles não tratariam uma mula daquela forma. Eu experimentei o significado do colonialismo desde a infância. E desprezo ele desde pequeno.

Spiegel: O senhor embarcou em um navio com destino à Europa em 1942 e se juntou à resistência francesa contra os nazistas. Por quê?

Vergès: Aos 17 anos, em 1942, eu lutei com as Forças Francesas Livres de Charles de Gaulle contra a ocupação nazista. Porque eu queria defender a França que, fora a França que eu desprezo como potência colonial, eu passei a valorizar e amar: a França de Montaigne, Diderot, Robespierre e da Revolução. E gostei muito de servir sob De Gaulle, sob alguém que tinha sido sentenciado à morte pelo governo francês. Nós fomos treinados na Inglaterra e na Argélia, e lutamos na Itália e na França.

Spiegel: Não foi algo extremamente perigoso?

Vergès: Sim, no princípio foi. Mas eu sofri apenas um único ferimento naquela época, um corte profundo na mão, bem aqui, que aconteceu enquanto eu estava abrindo ostras além da Ile d'Oléron.

Spiegel: O senhor aparentemente tinha um anjo da guarda.

Vergès: Eu sou imune a balas, vamos colocar desta forma.'Eu transfiro eventos para fora da sala do tribunal'


Spiegel: Em seu primeiro grande julgamento como advogado, o senhor assumiu um caso perdido em 1957: a defesa da combatente da resistência argelina Djamila Bouhired, que foi acusada de realizar atentados a bomba que também mataram civis.Vergès: Eu estava completamente do lado dela. Ela era uma patriota. Ela foi brutalmente torturada na prisão.

Spiegel: No julgamento, o senhor introduziu, pela primeira vez, sua agora famosa estratégia de ruptura, ou "defesa de ruptura", o princípio de lançar uma defesa com um contra-ataque político. Por quê?Vergès: Os outros advogados franceses que estavam encarregados da defesa em Argel tentaram abrir um diálogo com os juízes militares de lá. Os juízes viam a FNL como um grupo criminoso. Mas os réus argelinos viam seus ataques como um ato necessário de resistência. Em outras palavras, não havia consenso em torno dos princípios que deviam ser aplicados para se chegar a um veredicto. Para mim, significava que eu tinha que transferir os eventos para fora da sala do tribunal e conquistar a opinião pública para os réus.

Spiegel: Funcionou. Após uma campanha internacional que o senhor ajudou a organizar, Bouhired, que foi sentenciada à morte, foi solta, e posteriormente se tornou sua esposa. Em março de 1963, o senhor foi à China acompanhado dela para beber chá com Mao Tsé-tung. Como o senhor conseguiu uma audiência com o Grande Timoneiro?

Vergès: Na época eu dirigia um jornal na Argélia, o "Révolution Africaine", que era apoiado pela FNL. Os chineses convidaram membros da equipe editorial para irem a Pequim. Nós tivemos muitas discussões políticas sérias. Mas o lado humano de Mao me surpreendeu. Havia algo tocando nele. Ele me perguntou, com toda a seriedade, se pretendia me casar com Djamila. Eu disse que sim, e ele respondeu: "Faça isso. Certamente será um relacionamento difícil, mas o amor é uma força subversiva".

Spiegel: O senhor ainda se sente tão positivo em relação a Mao, dado o conhecimento que temos hoje, o conhecimento das 30 milhões de mortes por fome pelas quais ele já era responsável na época, em conseqüência de seu "Grande Salto à Frente"?

Vergès: Eu acredito que todo mundo tem qualidades e fraquezas. Eu tive a sorte de conhecer apenas o lado positivo de Mao.

Spiegel: O senhor também conheceu Che Guevara.

Vergès: Sim, em Paris. Ele estava retornando de uma viagem à Suíça. A primeira esposa dele trabalhava em nossa redação. Ele era impressionante, um homem com um carisma incrível.

Spiegel: O senhor posteriormente foi suspeito de ter ajudado pessoalmente terroristas. Isso foi verdade? O senhor já pensou em se juntar às causas de seus clientes?

Vergès: Eu tenho respeito pelo que muitos deles fizeram, mas não o faria pessoalmente.

Spiegel: Respeito por terroristas? Como é possível conciliar isso com sua consciência, com sua percepção da lei?

Vergès: Magdalena Kopp, por exemplo, a parceira de vida de Carlos por muitos anos, era uma jovem alemã que estudou fotografia e queria se tornar jornalista. Então ela abandonou tudo e foi ao Oriente Médio lutar ao lado dos palestinos oprimidos. Aquele foi um ato extremamente abnegado, pelo qual só posso sentir simpatia.

Spiegel: Mas, como advogado, o senhor não está cruzando uma linha vermelha com esses sentimentos?

Vergès: O que exatamente essa linha vermelha significa? É minha obrigação, como advogado, defender qualquer um, especialmente aqueles com as acusações mais sérias contra eles. Segundo, eu não posso me identificar com esses atos. Se meu cliente Klaus Barbie me pedisse para defender a superioridade da raça ariana em meus argumentos finais, eu teria dito a ele: sinto muito, não posso fazer isso. Eu sou Maître Vergès, um advogado com licença para praticar em Paris, não um Obersturmführer.

Spiegel: O senhor hesitou bastante antes de aceitar a defesa de Klaus Barbie, o ex-chefe da Gestapo, o "Açougueiro de Lyon"?

Vergès: Nem um segundo. No julgamento de Barbie em Lyon, em 1987, eu enfrentei 39 advogados no lado oposto e o juiz. Isso por si só era motivo suficiente para assumir a defesa de Barbie.

Spiegel: O senhor precisou de proteção policial após apontar um espelho para a França na sala do tribunal e acusar muitos franceses de terem colaborado com os nazistas.

Vergès: A beleza de um julgamento pode ser medida pelo rastro que deixa para trás, muito após a sentença ter sido pronunciada.

Spiegel: E qual foi sua impressão de Barbie?

Vergès: Ele era um homem surpreendentemente comum, sem personalidade notável. Mas, é claro, é preciso não esquecer que se passaram mais de 40 anos entre os crimes que ele cometeu e o julgamento. Ele não era mais o mesmo homem.

Spiegel: O senhor deve saber, já que também desapareceu sem deixar traço nos anos 70. Sem nem mesmo avisar sua família, o senhor sumiu por oito anos. Até hoje, ninguém sabe onde o senhor esteve naquela época.

Vergès: André Malraux já disse que a verdade sobre um homem está principalmente naquilo que ele não diz...

Spiegel: ...em outras palavras, o senhor não tem intenção de algum dia esclarecer este mistério?

Vergès: E por que deveria? É extremamente divertido o fato de ninguém, em nosso moderno Estado policial, não conseguir saber onde estive por quase 10 anos. Já foi conjeturado que passei algum tempo com o Khmer Vermelho no Camboja, na Palestina, na China e na França. Eu adorei ler meus obituários. Eles falavam de um jovem altamente dotado que tinha partido deste mundo.

Spiegel: O senhor assume muitos de seus casos sem pagamento. O senhor defendeu prostitutas e crianças pobres. Como o senhor financia seu escritório de advocacia?

Vergès: Não se preocupe. Eu também represento algumas empresas industriais e elas me pagam muito bem, então certamente há algum dinheiro sobrando.

Spiegel: Também há rumores de que o senhor está na folha de pagamento de potentados africanos ou lhes prestando consultoria. O político congolês Moise Tshombé, que esteve envolvido no assassinato de (Patrice) Lumumba (o ex-primeiro-ministro congolês), seria um deles, e que o senhor teria processado a Anistia Internacional em nome do violento ex-presidente de Togo, Gnassingbé Eyadéma?

Vergès: ...porque ela alegou coisas que não eram verdadeiras. Mesmo boas organizações devem respeitar certos limites.

Spiegel: Eyadéma, Tschombé e sua laia... não são pessoas sobre as quais o senhor poderia dizer: eu não quero ter nada a ver com elas?

Vergès: Sim, eu poderia fazer isso, mas seria a mesma coisa que um médico dizer ao seu paciente: "Sabe de uma coisa, você tem Aids, mas não gosto de negros. Eu acho que são criminosos e isso me enoja, então não vou tratar você".

Spiegel: Um médico deve fornecer ajuda, mas como advogado, o senhor não é obrigado a aceitar todo cliente.

Vergès: Se você encontrar um médico que não consegue ver sangue, pus ou ferimentos abertos, ele está na profissão errada. Se você encontrar um advogado que não goste de criminosos ou ditadores, é a mesma coisa.

Spiegel: "Minha moral e estar contra toda moral, porque ela busca amarrar a vida", o senhor escreveu certa vez.

Vergès: Sim, em um livro autobiográfico ao qual batizei como um jornalista certa vez me chamou, "Le Salaud lumineux", ou "O Bastardo Brilhante".

Spiegel: Pode ser que o senhor use sua profissão principalmente como uma permanente provocação intelectual.

Vergès: Eu a uso principalmente para permanente enriquecimento intelectual. Nossa visão de mundo muda com o tempo, porque o vemos sob diferentes pontos de vista. Graças à minha profissão, eu agora estou familiarizado com a visão de mundo do ponto de vista do terrorista e do policial, do criminoso e do idiota, do virgem e do ninfomaníaco. E posso lhe dizer que isso aprimora a visão própria de uma pessoa.

Spiegel: Maître Vergès, obrigado por esta entrevista.

Tradução: George El
Khouri Andolfato

21 novembro 2008

A IMPORTÂNCIA DA MOTIVAÇÃO


Não sou de muitas achegas com livros de auto-ajuda, mas acho que os motivacionais são interessantes, sobretudo quando descrevem situações reais, que apresentam experiências humanas vividas e que levaram seus protagonistas a obterem êxitos, alguns espetaculares.


Tal como o que relata Bernardinho, vitorioso técnico da seleção masculina de voleibol, em seu livro ”Transformando suor em ouro”.


Veja esta interessante passagem do livro que foi captada do excelente blog ZÉducando:

“Há uma história sobre motivação que eu adoro. É a respeito de um menino negro do Sul dos Estados Unidos que passou um Natal muito triste porque os pais não tinham dinheiro para comprar-lhe uma bicicleta como a que seus amigos haviam ganhado. No verão seguinte, o menino conseguiu um emprego temporário como carregador de caixotes numa mercearia. Durante três meses trabalhou duro e conseguiu juntar dinheiro para comprar a tão sonhada bicicleta. Felicidade total. Até que lhe roubaram a bicicleta. O menino ficou desesperado. Na policia, ao dar queixa, foi atendido por um sargento que, vendo-o furioso, o encaminhou para o esporte. Mais especificamente, para o boxe.

O menino tornou-se lutador. Como amador, ganhou a medalha de ouro dos meio-pesados nos Jogos Olímpicos de Roma e depois, como profissional, o título de campeão mundial dos pesos pesados. Numa das explicações que deu para seu formidável portfólio de vitórias, ele contou que toda vez que subia ao ringue via no adversário o sujeito que lhe roubara a bicicleta. E partia firme para derrubá-lo. Era isso que o motivava. Seu nome? Cassius Marcelus Clay, depois Muhammad Ali.

Costumo brincar dizendo que se foi o roubo de sua bicicleta o que motivou Ali, devem ter roubado um carro do Mike Tyson para que ele quisesse arrancar a dentadas a orelha de Evander Holyfield.”



Ali, considerado um dos maiores pugilistas de todos os tempos, realizou 61 lutas, tendo 56 vitórias, 37 delas por nocaute e apenas cinco derrotas. Nunca empatou nem desistiu de qualquer luta.(Wikipédia).


Um belo exemplo de superação, não acha?